Portugal é um país de bota-abaixo. Não há volta a dar. Lisboa é a capital mundial do “preso por ter cão e preso por não ter”, e os últimos dias foram apenas uma confirmação disso mesmo, para quem ainda pudesse ter dúvidas. Perante uma notícia que dá conta do bom (e célere) funcionamento dos serviços públicos, ninguém foi capaz de aplaudir esse progresso, num país em que “uma eternidade” costuma ser a unidade de medida mais usada em qualquer conservatória. Ficámos a saber que as gémeas brasileiras cujos pais rumaram a Portugal para aproveitar o nosso sol, a nossa gastronomia e o nosso Zolgensma conseguiram obter nacionalidade portuguesa em 14 dias. Duas semanas é o tempo que alguns outros cidadãos brasileiros passam na fila da Loja do Cidadão das Laranjeiras, só para conseguirem uma senha. Parecem-me boas notícias: dobrámos o cabo das Tormentas da burocracia, conseguimos fintar o Adamastor que grita “o sistema hoje está muito lento”, provámos que é possível despachar meia dúzia de papéis em 15 dias, e não nos habituais 15 meses (no mínimo). Estas crianças tiveram, felizmente, mais sorte do que Ofer Calderon, o cidadão israelita que aguardava pela atribuição de nacionalidade portuguesa desde 2021. Precisou de ser raptado pelo Hamas para ver o processo finalmente concluído: se alguém o tivesse avisado de que bastava ser amigo do filho de Marcelo Rebelo de Sousa, talvez tivesse optado por essa via, mais rápida e indolor.
Nós já estávamos habituados a ser visitados por brasileiros abastados, que procuram as lojas mais caras, os restaurantes com a trufa mais rara, os hotéis mais dispendiosos, mas inaugura-se agora um novo tipo de turismo: o dos medicamentos de luxo. As gémeas tiveram acesso ao medicamento mais caro do mundo, do qual já ouvíramos falar em 2019, quando os pais da pequena Matilde angariaram 2,5 milhões de euros para financiar o tratamento da criança. Que disparate: foram incomodar tanta gente, quando podiam ter chateado apenas a nora do Presidente da República. Segundo a mãe das recém-luso-brasileiras, foi a mulher de Nuno Rebelo de Sousa, filho de Marcelo, que desbloqueou a situação. Creio que é urgente trazermos esta mulher para Portugal. Uma pessoa a quem basta um telemóvel com bateria para resolver os problemas do SNS é o tipo de heroína de que o nosso país não pode prescindir. Reduz listas de espera em dois minutos, descobre fundos onde julgávamos não existirem, arranja cadeiras de rodas topo de gama para crianças cuja vida corre sobre rodas, de tal forma que não precisam delas. No Hospital de Santa Maria, onde tantas vezes faltam macas, hoje sobram duas cadeiras de rodas, de 14 mil euros cada, que os pais das gémeas não foram levantar. Nunca um equipamento daquele nível fora avistado nos corredores do hospital, parece um verdadeiro milagre. Não é um “levanta-te e anda”, mas foi um “levanta-te e anda embora para o Brasil, que já fizemos o que tínhamos a fazer aqui”.
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