“Fim de ciclo.” Assim começa o comunicado de Kikas, dando conta da sua saída do estabelecimento La Siesta. Se não percebeu absolutamente nada da última frase, e acha que La Siesta é um restaurante de tacos e burritos, passo a explicar: trata-se do bar de alterne mais famoso do País, e da sua não menos famosa proprietária. Na hora da despedida, Kikas relembra: “Criei, inovei, lutei muito, derrubei muitas barreiras.” Inovação, ora aí está uma coisa que não associava a uma das mais velhas profissões do mundo. Está visto que tenho de ir a um bar de alterne. Até hoje achava que era só gente a pagar espumante da Mealhada a preço de champanhe francês, para ver bons seios, e afinal é uma espécie de Web Summit. Kikas criou a sua startup, que agora vendeu, espero que por preço nunca inferior ao de uma SpaceX, até porque também põe coisas em órbita. “Ergui muitos conceitos inovadores na época”, diz ela, provando que é, de facto, inovadora. Nunca tinha visto ninguém descrever o órgão sexual masculino desta forma. Kikas e a sua equipa puseram de pé milhares de “conceitos inovadores”, noite após noite, e estão naturalmente orgulhosas. A Madame diz mesmo que criou “memórias em Portugal e no mundo, colocando o nome Kikas nos mais altos níveis reputacionais”, o que parece um claro exagero. Mas, surpreendentemente, não é. É um facto, comprovável através de selo emitido por uma credível instituição nacional. O IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação), em parceria com o Turismo de Portugal, elegeu, já por três vezes, a empresa de Kikas como PME Líder.
Este prémio gerou alguma indignação, nos últimos dias, quando se soube que Kikas foi também agraciada com o estatuto de arguida num processo de lenocínio e branqueamento de capitais. Já se sabe como as pessoas são, invejosas, não podem ver ninguém ter muito sucesso que começam logo a criticar. O SEF identificou 50 cidadãs estrangeiras a trabalhar no La Siesta, grande parte em situação irregular, suspeitando da ocorrência de tráfico de pessoas. Mas, pergunto eu, de que outra forma, senão forçada, convenceríamos meia centena de vistosas mulheres estrangeiras a fixarem-se no Vale de Santarém? Os métodos podem ser pouco ortodoxos, sim, senhora, mas dinamizaram ou não a região? Consigo perceber o Turismo de Portugal. O estatuto de PME Líder confere às empresas, além de enorme sainete, condições optimizadas de financiamento, o que deve ter facilitado imenso a vida de Kikas. Não tanto pela obtenção de dinheiro, mas pela obtenção de uma boa desculpa para ter tanto dinheiro. Assim já não precisava de malabarismos dignos de varão para explicar a origem do numerário. Um prémio que servia para atribuir credibilidade fica assim sem credibilidade alguma. Gosto de imaginar um empresário português, daqueles que se candidatam a estas distinções, a gabar-se aos amigos: “A minha empresa é uma PME Líder.” Se até hoje isto seria chinês para a maioria, agora poderão responder-lhe: “Ah, sei, aquele carimbo de qualidade que também deram à Casa da Mãe Kikas, Parabéns!”
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