Eu já devia ter desconfiado, porque tenho tido bastante dificuldade em entender as pessoas. Desde que a pandemia começou, passei a ter consciência de que parte da comunicação depende do som das palavras, mas outra parte deve-se aos movimentos que a boca faz, e a máscara impede que eu os veja. Às vezes, quando o meu interlocutor se encontra num balcão de atendimento, atrás de um vidro, tenho de fazer suposições, muitas vezes tragicamente erradas, sobre o que está a ser dito. Do ponto de vista da higiene, está tudo óptimo: o vidro e a máscara, em princípio, impedem a transmissão de qualquer vírus. Infelizmente, impedem também a transmissão de mensagens. O resultado é uma conversa de parvos. Somos parvos muito saudáveis, mas não há dúvida de que somos parvos. Eu, pelo menos, sou. Por isso, foi sem surpresa que li os estudos sobre a dificuldade que as crianças do Ensino Pré-escolar estão a ter para aprender português. Na verdade, elas não estão a aprender português, estão a adivinhar português. É como aprender a língua através daquele jogo em que se segreda uma frase ao ouvido de uma pessoa, que a segreda a outra, e assim sucessivamente até que, no fim, a frase final não tem nada que ver com a original.
Como é evidente, tudo tem as suas vantagens. Em princípio – pelo menos, assim o espero –, os alunos mais velhos estarão a aproveitar a oportunidade de terem máscaras a cobrir parte da cara para fazer barulhinhos irritantes que exasperam o professor, incapacitado de localizar os palermas responsáveis pelo ruído. No meu tempo, era muito mais difícil e arriscado perturbar o normal funcionamento de uma aula. Espero que estes jovens tenham ao menos consciência da sorte que têm.