Em Portugal, 2018 desmentiu uma das ideias centrais do ideário populista, que costuma encontrar expressão na frase “eles querem é ir para o poleiro”. Se alguma coisa ficou clara este ano foi que “eles” não têm interesse em ir para o poleiro. Pelo contrário: o que “eles” querem é estar fora do poleiro enquanto alguém lhes marca a presença no poleiro. A velha rabugice tem, por isso, de se actualizar. O que se deve resmungar, por essas tascas fora, é: “eles querem é que alguém lhes marque presença no poleiro enquanto eles estão noutro sítio qualquer”. Quando faltou ao plenário, um dos deputados estava em Famalicão. Ora, com todo o respeito por Famalicão, a acusação “eles querem é ir para Famalicão” não levanta, sobre os deputados em causa, grandes suspeitas de quererem desfrutar de uma vida regalada.
As notícias sobre deputados que, mesmo estando ausentes da Assembleia, conseguem assinar o registo de presenças são simultaneamente uma vitória e uma derrota do populismo. A vitória é o facto de vários representantes políticos descurarem comprovadamente o trabalho parlamentar – uma desconfiança antiga das pessoas que costumam referir-se à classe política como “essa cambada”. A derrota é ter ficado evidente que, ao contrário do que costumam ser acusados, certos deputados não estão, de modo nenhum, agarrados ao lugar. A primeira indicação de que se está agarrado ao lugar é comparecer no lugar. Estes deputados não o fazem, revelando assim um desprendimento que surpreende quem os tinha por gananciosos.
Este grupo de deputados (que, como todos queremos acreditar, será bastante reduzido), conhecido por conseguir marcar presença na Assembleia da República mesmo quando está a quilómetros de distância, foi capaz de outra proeza: de repente, os deputados que antigamente eram apanhados a dormir no hemiciclo passaram de madraços a dignos. Agora, é frequente ouvirmos dizer: “Que saudades dos deputados que dormiam no parlamento. Não tinham comparação com esta cambada que não põe lá os pés. Bons tempos, em que as pessoas se empenhavam tanto na representação dos seus eleitores que até dormiam na casa da democracia.” O único aspecto perturbador é este: o que é que este tipo de deputado fará no futuro para nos fazer ter saudades dos que marcavam presença quando estavam ausentes? Este presente amargo há-de ser o passado doce dos anos vindouros. Vamos saboreá-lo enquanto ainda vivemos num regime com deputados, mesmo não sendo muito bons.
(Crónica publicada na VISÃO 13456, de 20 de dezembro de 2018)