Vamos imaginar que a dona Arminda vende flores. É uma ocupação bem digna e respeitável, quer para a dona Arminda, quer para outra dona qualquer. Vem o furacão Leslie e destrói o furgão da dona Arminda. No dia seguinte, os clientes perguntam: “A como são as rosas, dona Arminda?” Diz ela: “Cem euros cada uma, para eu comprar outro furgão.” O mais provável é que as pessoas se riam da dona Arminda. Em princípio vão comprar as rosas à banca do lado, cujo proprietário não ficou sem o furgão, ou tinha o furgão no seguro. É possível que o caso dê notícia (“Rosas valem mais que caviar? Esta feirante acha que sim”) e sirva de tema aos comentadores dos jornais. Mais uma prova da falta de iniciativa do povo português, da sua incapacidade de fazer face a um mercado competitivo, isto é tudo uma cambada que só quer andar pendurada no Estado à caça do subsidiozinho, e tal.
Agora vamos imaginar que a dona EDP vende electricidade. Ou melhor, não precisamos de imaginar. De acordo com os jornais, a classificação do Leslie como “evento excepcional” fará com que a EDP não tenha de compensar os consumidores pela quebra do serviço. Além disso, a lei prevê que sejam os consumidores a pagar à EDP os prejuízos provocados pelo furacão. A não ser que seja o Governo a pagar, o que vai dar mais ao menos ao mesmo. Neste caso, os consumidores não riem da dona EDP. Primeiro, porque têm mais vontade de chorar. Segundo, porque não é muito evidente que possam ir comprar electricidade à banca do lado. A diferença entre os donos da EDP e a dona Arminda é que os primeiros usam gravata, pelo que se vê logo que são grandes empresários. Não se penduram no Estado, fazem negócios em que o lucro é sempre deles e o prejuízo é sempre nosso – o que é muito, muito diferente. Não são como esses calões incapazes de competir no mercado, como a dona Arminda. Incrivelmente, o consumidor ainda não tem de ir trabalhar de graça nas obras das barragens. Talvez isso possa ser contemplado num próximo contrato ainda mais competitivo.
É preciso ter azar. As coisas que compramos aos chineses costumam ser baratas. A electricidade logo tinha de ir parar às mãos dos únicos chineses careiros. A EDP é uma espécie de loja dos 300 da electricidade. Só que é dos 300 milhões.