Ainda não nos tínhamos cruzado com ninguém. Na manhã do quarto dia do ano, tudo parecia adormecido. Eu estivera doente com uma infeção respiratória. O Pedro e eu caminhávamos devagar, os meus pulmões esforçados para se adaptarem ao ar frio da serra. A Lulu em corridas à nossa volta. A fiada de salgueiros desarranjava a vereda, sublinhando o esplendor do momento. O Pedro disse, O plano está a funcionar, nem uma pessoa. Tínhamos combinado que, todos os dias, antes de o mundo acordar, passearíamos com a Lulu pela serra.
Antes de o mundo acordar? Que disparate. O mundo está sempre acordado. Deveria ter escrito antes de grande parte dos humanos que por aqui habitam acordar, mas é mais fácil, mais bonito, dizer o mundo. Certas facilidades, certas bonitezas, entortam o entendimento das coisas. Revelam e firmam pontos de vista egocêntricos. Desde quando é que os humanos que por aqui habitam são o mundo? O engano persiste e os outros vão ficando confinados a uma faixa semântica cada vez mais estreita. De imprecisão em imprecisão, deslizamos sobre um lago gelado.