O crime de corrupção, pelas suas caraterísticas próprias, é de difícil prova: Praticado de forma silenciosa e indireta; em locais acessíveis apenas aos próprios interessados; na interposição de uma ou mais pessoas, que diluam a relação corruptor-corrompido; na utilização de pactos de silêncio e códigos verbais que despistarão qualquer suspeita, ou, se não o fizerem, sempre dificultarão a prova do seu verdadeiro significado; no recurso a mecanismos complexos de dissimulação da vantagem do crime e muitas vezes de uma grande dilação temporal e a interposição de várias pessoas entre a promessa de vantagem e a sua efetiva chegada ao domínio do corrompido.
A acrescentar a tudo isso, o ato que se crê praticado pelo corrompido nem sempre tem a sua intervenção direta, ou está mesmo integrado no âmbito de decisão de uma estrutura colegial ou desconcentrada, mas onde o mesmo tem um elevado poder de domínio, influência ou persuasão.
Aliado a tudo isto, nos novos moldes de atuação desta criminalidade altamente organizada, os seus agentes são portadores de grandes capacidades económicas e de prodigiosos conhecimentos nas diferentes áreas de atuação, sendo que não raras as vezes, os órgãos investigatórios não estão apetrechados de meios técnicos e financeiros suficientes para o combate ser infalível, sendo isto um entrave à investigação.
O que temos assistido é que as políticas públicas de combate à corrupção não têm sido efetivamente acompanhadas dos meios necessários a igualizar em eficácia as armas entre uns e outros.
As dificuldades probatórias associadas a este tipo de crime não se compadecem com o recurso às técnicas de investigação tradicionais, nem com registos mentais clássicos de valoração da prova, exigindo a adoção de mecanismos especiais de investigação e inteligência, entre os quais se insere a colaboração premiada, por um lado, e por outro de uma exigente e mais audaz valoração de prova, essencialmente e necessariamente, indireta.
A resistência que tantas vezes se faz sentir à sua admissibilidade e a falta de preparação para uma adequada valoração da prova indireta (que alguns preferem chamar ser ingénuo ou naïf) contribuem para uma justiça que não corresponde à realidade, isto porque, para crimes de difícil prova como o de corrupção, funciona como passaporte para a impunidade.
Os investigadores e depois o Tribunal têm que com base num conjunto de factos, ditos indiciários, inferir com base nas regras da normalidade e da ausência de outra explicação plausível para os mesmos, os factos integradores do crime.
É impossível a prova do crime de corrupção sem o recurso e valoração da prova indireta.
O Ministério Público e os órgãos de polícia criminal que o coadjuvam neste tipo de criminalidade foram-se especializando ao longo dos anos e investindo em formação nacional e internacional nessa área, que os dotou de competências mais adequadas a tratar este fenómeno criminal e conseguir hoje apresentar mais e melhores resultados.
O problema é que os julgadores, por falta de especialização, formação adequada e por estarem formatados pelos cânones tradicionais de formação da convicção do Tribunal para a generalidade dos crimes, não estão preparados para a exigente valoração da prova indiciária nos crimes de corrupção.
E é esta diferença que tantas vezes determina que na apreciação das mesmas provas e dos mesmos factos possamos ter visões divergentes ou mesmo antagónicas, sem que exista nisso qualquer intencionalidade mais obscura como alguns querem fazer crer que existe.
A solução só pode ser: mais e melhores meios para os investigadores de forma a equilibrar as armas entre os prevaricadores e aqueles, no combate à corrupção; mais especialização, coadjuvação técnica e formação específica para os magistrados que têm de trabalhar com este tipo de criminalidade.
Só assim existirá justiça no combate à corrupção e não uma meta-justiça.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ XIII Congresso organizado pelo SMMP
+ Apresentação de detido a interrogatório judicial
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.