Somos hoje mais livres do que nunca para escolher a quem nos unimos e por quanto tempo. Temos liberdade para escolher com quem, como e até quando, ou não escolher ninguém. Liberdade para estabelecer relações com base no amor ou no sexo ou noutros afectos ou interesses, no que cada um quiser. Amor com sexo, sexo sem amor, com alguém do mesmo sexo ou de sexo diferente ou género diferente, num grau de compromisso negociado pelos participantes da relação que podem ser dois ou mais de dois. Temos ainda a liberdade de não escolher ninguém. Estar só, também pode ser uma escolha possível e não um infortúnio ou uma má sorte.
O amor e o erotismo são hoje mais importantes do que nunca, porque são os principais definidores da formação das relações na sua actual e diversificada tipologia.
Há 50 anos havia muito mais casamentos e os divórcios eram raros e difíceis. Actualmente há muitas outras possibilidades para além do casamento e do divórcio. Temos outras formas de união e relação, e ainda diferentes tipos de famílias, das mais tradicionais e fechadas, às mais abertas, passando pelas monoparentais e homoparentais. Quarenta e nove anos depois da revolução, os casamentos, relações, uniões e compromissos fazem-se de escolhas baseadas em critérios de ordem afectiva e erótica.
A diversidade tornou-se mais visível
Somos em Portugal dez milhões de sexualidades e a diversidade é agora mais visível do que alguma vez foi, porque a diversidade só se pode ver na liberdade. Falo em 10,000,000 porque quero assinalar a pluralidade. Porque a sexualidade é única para cada indivíduo. Somos uma pluralidade de identidades e orientações, das heterossexuais às LGBTQI+. Sempre que estudamos a sexualidade, encontramos diversidade. Diversidade de comportamentos, de preferências, diversidade de género, de orientações sexuais, de sistemas relacionais. Entre a sexualidade a solo e as não-monogamias, encontramos múltiplas possibilidades num mapa complexo.
Este contexto de diversidade traz a necessidade urgente de alteridade, ou seja, o respeito pela diferença do outro, o respeito pelo outro. Acho que só assim conseguimos acabar com a violência, a psicológica, física, de género, entre adultos, jovens, adolescentes.
A diversidade também inclui a possibilidade de renunciar à sexualidade. E nós – clínicos e investigadores sexologistas – não devemos impor a actividade sexual a ninguém. O que defendo é que se façam escolhas livres. Abdicar da sexualidade, sim, mas que seja uma escolha livre, e não baseada no medo – o medo de não ser capaz, ou o medo do que os outros pensam, ou do que é socialmente suposto, entre outros.
Vivemos hoje novas liberdades mas também novos medos
Dizia o Sérgio Godinho numa entrevista e nalguma canção, que a liberdade está sempre em construção. Esta ideia é especialmente verdade no que toca à experiência da sexualidade, das relações e do amor. Porque vêm novos desafios e novos medos para superar.
Vivemos nestes tempos modernos numa enorme exigência e dependência da imagem. A esfera pública engoliu a esfera privada. Criar uma imagem pública tornou-se indispensável. A pessoa – naquilo que é e no que faz -, precisa da validação dos outros. Este contexto de pouca noção do privado e muito foco no público, é predador da confiança e dá muita força a alguns medos, mas o medo fica escondido. É preciso esconder as inseguranças a todo o custo. O medo de não ser atraente, de não ser escolhido. Ao mesmo tempo, a loucura do anti-aging que alimenta o medo de perder o corpo jovem, o medo de envelhecer. Por outro lado, uma sociedade centrada na produtividade e competitividade traz o medo de não se ser suficientemente capaz, o medo de não ser suficientemente bom (bom parceiro sexual, bom parceiro amoroso), o medo de não estar à altura. Ouço isto com muita frequência no meu consultório. As clínicas e os tratamentos anti-aging proliferam como cogumelos, mas esses tratamentos para melhorar a imagem, nunca serão suficientes para repor a confiança, a força e a liberdade interna que não se tem.
A liberdade é o oposto do medo
Liberdade é não ter medo, dizia Nina Simone. O medo rouba-nos a força e a confiança, enfraquece-nos. Tantas vezes a sexualidade é vivida com inibições e medo, ou não chega mesmo a ser vivida. Quantas vezes se deixou de perseguir o prazer sexual por medo do que os outros pensam? Quantos não viveram o amor em plenitude por terem medo? As crenças, ideias e atitudes que internalizamos na socialização e ao longo da vida podem aniquilar a vivência do prazer. Ao longo de 23 anos de prática clínica tenho observado tantas mulheres de várias idades a darem passos de liberdade no sentido de escolherem viver a sua sexualidade como algo que lhes pertence e a que têm direito. Vi muitas vezes as escolhas relativas à relação amorosa e sexual serem baseadas no medo – medo de sofrer, medo de expressar sentimentos, medo da intimidade, medo da entrega, medo de perder o control. Observo que ainda persistem resquícios do duplo padrão, coexistindo novos comportamentos e velhas atitudes.
Ainda há muito caminho para fazer na luta contra o medo, contra a violência e a desigualdade. Os caminhos da liberdade são sempre difíceis e por isso, é como dizia o Sérgio Godinho, “a liberdade está sempre em construção”.
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