No documento da DGAJ “Normas Reguladoras das Condições de Instalação e Funcionamento para Edifícios de Tribunais”, aprovado em 2019, aí se escreve que a promoção da instalação adequada dos serviços dos tribunais é fundamental para granjear o nível de qualidade que se ambiciona para os serviços prestados ao cidadão na área da justiça. Nesse sentido, é imperioso diligenciar pela existência de instalações que sejam dignas, adequadas e ajustadas ao correto funcionamento da justiça.
No referido documento apontam-se um conjunto de caraterísticas e critérios a que deverá obedecer o edifício para instalação dos serviços dos tribunais, seja este a construir ou a adaptar.
O problema é que as boas intenções governativas se quedam pelo referido documento, manifestamente ambicioso, mas que nenhum dos edifícios, onde estão instalados os Tribunais, cumpre na sua totalidade ou sequer está perto de cumprir.
Todo o parque judiciário existente tem sido deitado ao abandono desde há vários anos, sem qualquer política estruturada de conservação, requalificação e modernização do mesmo.
Os problemas são de natureza diversa: desde a falta de condições básicas como o acesso a pessoas com mobilidade condicionada; salas de audiência e gabinetes onde chove, sendo a água recolhida em baldes; janelas e persianas que caem com o vento; casas de banho sem o mínimo de condições; fissuras nas paredes, nas padieiras das janelas e nos tetos em estuque, fazendo recear pela sua cedência; faltas de sistema de climatização; espaços reduzidos e sem janelas onde trabalham, por vezes, vários oficiais de justiça e tantas vezes onde atendem o público.
Para além da degradação do parque existente, a política seguida para a reinstalação de tribunais tem sido a desistência de um património de forte cobertura territorial e a sua substituição por parcerias público-privadas e ofertas públicas de arrendamento, inspiradas no modelo das whole-Life-Costing, que consiste no arrendamento dos edifícios ao Instituto de Gestão Financeira e Infraestruturas da Justiça por 10, 15 ou 20 anos, assim como a manutenção do edifício durante a duração do contrato.
Tal opção apenas se deve a uma política de cosmética financeira, sendo que a médio e longo prazo as rendas pagas dariam para construir vários tribunais de raiz e, normalmente, no termo do prazo de arrendamento por falta de soluções alternativas, resta ao Estado renegociar o contrato, estando em clara desvantagem na negociação.
Para além disso, nenhum desses edifícios foi construído para o fim para o qual vai ser utilizado e, por isso, não obedecem minimamente ao conjunto de caraterísticas definidas na legislação em vigor e nas normas regulamentares acima indicadas, revelando-se, tantas vezes, desajustados, disfuncionais e inadequados ao funcionamento de um tribunal.
Tudo isto se deve ao facto de a ação governativa se limitar a uma gestão corrente, de “tapa buracos”, de mascarar o deficit, sem qualquer visão de médio e longo prazo.
É urgente mudar este paradigma de governação na área da justiça.
É urgente que o Ministério da Justiça apresente um plano estruturado para a conservação, requalificação e modernização do parque judiciário, que envolva e congregue as demais forças políticas, que vá para além da legislatura, com planificação de curto, médio e longo prazo.
Não podemos descartar que a desconexão da relação entre a justiça e o cidadão também pode advir das opções do Estado, de arquitetura e urbanismo, em relação ao próprio edificado onde se realiza a justiça.
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