A proposta avançada pelo Governo de reforçar o peso dos exames no ingresso no Ensino Superior é contrária à missão e propósito da Escola Pública e às aspirações dos estudantes.
Ouvimos e lemos recorrentemente a expressão “elevador social” associado à Escola Pública, contudo, nas últimas décadas, foram muitos os mecanismos introduzidos pela política de direita de sucessivos Governos PS, PSD e CDS que aprofundaram as desigualdades, não tendo ido mais longe porque os estudantes lutaram e continuam a lutar pela escola de Abril.
Os exames, que assumiram ao longo dos anos diferentes formas, algumas das quais derrotadas pela luta dos estudantes – como os milhares que recusaram a PGA, mas também as propinas, a limitação de vagas no Ensino Superior com o numerus clausus, a insuficiência dos apoios sociais e os demais custos associados a estudar – são, de facto, mecanismos que visam o objetivo de classe de reprodução social, garantindo que filho
de gestor sai gestor e filho de operário sai operário, e assim que as elites económicas correspondam às elites intelectuais.
Perguntemos: serve o exame para aferir a qualidade e as falhas do sistema educativo?
É curioso este argumento invocado pelo Governo ao mesmo tempo que atrasa obras em dezenas escolas degradadas por todo o País, desvaloriza a carreira dos professores ou recusa a contratação de mais funcionários e psicólogos. Mas reconhecendo a possibilidade de modelos de aferição e comparabilidade ao nível nacional, os Exames Nacionais são outra coisa – uma prova de seleção e, sem eufemismos, exclusão de
estudantes da conclusão do Ensino Secundário e do acesso ao Ensino Superior.
Perguntemos ainda: o exame é igual para todos?
Todos fazem o mesmo exame, independentemente de não ter tido professores a todas as disciplinas, de não ter o dinheiro para um explicador ou para os manuais de preparação de exames, de ter estado numa turma com 30 ou 20 estudantes, ou de ter frequentado um colégio privado ou uma escola TEIP, na qual os currículos são encurtados por aqueles que já decidiram que os filhos dos trabalhadores não podem nem vão ser doutores e, por isso, devem rapidamente ingressar pela via profissionalizante. Daqui que ninguém se surpreende ao assistir aos rankings ano após ano. Em 2021, no Ranking dos Exames Nacionais a primeira Escola Pública aparece apenas em 40º lugar, e o tão proclamado nivelamento rapidamente confirma, pelo
contrário, o aprofundamento das desigualdades. Injustiça que é reconhecida com a criação de um contingente de acesso ao Ensino Superior para os estudantes mais pobres.
É repetido o argumento “Os exames são necessários porque os colégios privados inflacionam as notas” e por isso os estudantes mais pobres até deveriam agradecer por ter exames e assim serem colocados num “plano de igualdade” com os do privado.
Ora, se existe esta noção tão vivida de que os privados inflacionam as notas então a exigência não tem de ser a do reforço de fiscalização?! Pode o Estado aceitar a fraude e um negócio em que as notas internas se confundem com notas de euros? O que o Governo assume é que são os estudantes da Escola Pública a pagar o preço das maroscas do negócio privado da educação, incapaz que é de confrontar estes interesses.
Perguntemos por fim: a Escola que queremos é compatível com Exames Nacionais?
Quantos não se recordam do stress, da ansiedade e da pressão desnecessária associado a este momento. Como em três horas são decididos três anos de estudos e definidos muitos projectos de vida. Como vimos os currículos e as áreas de estudo do nosso interesse resumidos à preparação para o exame, tudo em função deste e o que não saía no exame era chutado para canto. É aliás curioso que todos foram chamados a pronunciarem-se sobre os Exames e a proposta do Governo, de especialistas e comentadores, todos menos os estudantes do secundário. E é também de assinalar como 11 Associações de Estudantes de diferentes pontos do país viram o seu pedido de reunião com o Ministério da Educação ignorado.
Este modelo não é compatível com a missão e propósito da Escola Pública, não contribui para a formação integral do indivíduo, impede a reflexão, o pensamento crítico ou mesmo a resposta à recuperação de aprendizagens afectadas pelos dois anos da pandemia.
O que é preciso é dar à Escola Pública, aos professores e aos estudantes as condições necessárias para ensinar e aprender. O que é preciso é retomar e valorizar a avaliação contínua, mais justa porque é aquela que tem em conta as origens sociais de cada um e as suas características pessoais, como também outros aspectos da vida colectiva de uma determinada turma, escola e agrupamento.
A Escola Pública de Abril tem o dever histórico, fruto da Revolução, de garantir a todos, independentemente das suas condições socioeconómicas, das suas origens ou das suas especificidades, as mesmas oportunidades e os apoios necessários para prosseguirem, todos com sucesso, até aos mais elevados graus e ensino. É esta a aspiração dos estudantes, e é com a sua luta que a tornarão realidade.
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