Participei há dias como oradora num seminário organizado na Universidade Lusófona a convite da CDT/SICAD, Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência de Lisboa sobre a tríade Escola/Família/Sociedade e enquanto participante do painel “Que perspetivas para o futuro?”, só me ocorria esta frase de filósofo italiano Franco Berardi: A possibilidade de futuro passa por estarmos abertos ao imprevisível.
É exatamente a mesma frase que me ocorre em quase todas as aulas de Português que leciono aos meus alunos do 12ºano de escolaridade, numa tentativa quase desesperada de lhes mostrar a ligação permanente que existe entre a escola e a vida, mesmo quando estão em análise textos dos séculos anteriores cuja leitura eles tendem a repudiar. A Literatura, como a encaro e procuro ensinar, para além do seu indiscutível valor estético, possui também um importante valor documental que permite aos alunos tomarem conhecimento de realidades, contextos, hábitos, formas de vida que, de outra forma, desconheceriam. Mas não apenas a Literatura. Todas as disciplinas curriculares devem aproximar-se o mais possível da vida, e para tal, as aprendizagens devem ser, aos olhos de quem as aprende, verdadeiramente significativas, isto é, devem permitir dar significado ao novo conhecimento, relacionando as novas ideias com as previamente existentes, através de situações relevantes para os alunos. Ora, é neste preciso contexto que importa refletir um pouco como a escola tem abordado a atualidade tanto nas atividades curriculares como nas extracurriculares.
Enquanto escrevo este texto, ao quadragésimo terceiro dia de guerra contra a Ucrânia, há três milhões e quarenta e oito mil refugiados (segundo dados do Alto Comissariado da ONU) em busca de um novo lar. Destes, encontram-se mais de vinte mil em Portugal, dos quais 65% são mulheres e mais de um terço, crianças. Numa tentativa de consciencializar os jovens e os adolescentes para a tragédia da guerra que surgiu de um dia para o outro e à qual estamos a assistir em direto no conforto relativo dos nossos lares, as escolas têm recorrido a todas as formas mais adequadas aos diferentes ciclos e anos de escolaridade para promover a solidariedade, desdobrando-se em campanhas de recolha de roupas e alimentos, em exposições de imagens de mapas com refugiados, em corações, ora humanos ora de papel, espalhados pelos espaços escolares, em minutos de silêncio… Alguns professores, numa tentativa de ir um pouco mais longe, promovem pequenos debates nas suas aulas, através do visionamento dos pequenos vídeos que circulam na internet. O de um menino ucraniano que atravessa sozinho a fronteira da Ucrânia para a Polónia em lágrimas e a soluçar, com um casaco aos quadrados em tons de azul, verde, castanho e creme, um gorro castanho e um saco plástico com um peluche dentro. Este vídeo foi filmado, segundo consegui apurar, em Medyka, a passagem da fronteira entre a Polónia e a Ucrânia. Ou o outro, o do menino de onze anos que chegou à Eslováquia sozinho, vindo de Zaporizhzhia, com apenas um saco de plástico, um passaporte e um número de telefone escrito na mão. Estes são apenas dois dos infinitos exemplos de tragédia que são levados para a sala de aula envolvendo crianças inocentes, obrigadas a deixar a sua pátria, fugindo da guerra, como forma de promover o debate.
Será isto suficiente? Como é que a escola está a abordar o difícil e problemático tema da guerra? Será que basta assinalar um minuto de silêncio aqui e ali pelos soldados mortos, usar t-shirts azuis e amarelas num dia específico, construir bandeirinhas ucranianas na aula de EVT? Tudo depende dos anos e ciclos de aprendizagem, é certo. Porém, ao ouvir há dias a filha de uma amiga que frequenta o 12º ano do curso de Humanidades dizer que a professora de História não falava da guerra porque estava atrasada no programa e não podia perder tempo com isso, tive a certeza de que, mais uma vez, a escola não estava a cumprir uma das principais funções para a qual deveria estar designada: a de desenvolver o pensamento crítico e reflexivo nos seus alunos, apresentando-lhes os conhecimentos/factos do passado para os ajudar/ensinar a pensar criticamente perante a realidade presente.
Como defende o antropólogo britânico Jack Goody, o pensamento crítico só é possível quando conseguimos ler um texto duas vezes e repensar o que lemos para podermos distinguir entre o bem e o mal, entre a verdade e a mentira. A escola parece estar a acompanhar o processo vertiginoso da sociedade, da comunicação, das redes sociais, apressando o “dar a matéria” que continua imensa porque as dificuldades dos alunos se agravaram e a carga letiva se manteve. O tempo para ler desapareceu. O tempo para pensar deixou de existir. O pensamento crítico morreu, na escola e fora dele. A necessidade de repensarmos o que andamos a fazer é urgente porque a escola não está preparada para explicar a guerra aos seus alunos como não está preparada para lhes explicar a vida. Desta forma, como podemos ensinar aos alunos a organizarem-se para toda e qualquer imprevisibilidade? Ou como ensiná-los a prepararem-se para o inesperado?
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