«Não, não há um problema com a comunidade cigana em Portugal» responde o Primeiro Ministro António Costa ao deputado André Ventura depois de este lançar a antidemocrática ideia de encerrar a comunidade cigana, num plano específico de confinamento COVID-19, a la campo de concentração em ponto pequeno. É assim que Portugal arranca o mês de Maio, dedicado pela Europa à celebração da Diversidade, tendo que explicar a um deputado à Assembleia da República que as pessoas não podem ser tratadas como se fazia há cem anos a quem tinha tuberculose: chutando para canto. Já evoluímos.
Felizmente que a discriminação e os preconceitos, inconscientes ou conscientes, são como os cristais: quebram-se. O cérebro humano tem plasticidade, aprendemos com facilidade, e como tal os preconceitos podem ser desfeitos e transformados em visão clara. Não é por acaso que em plena entrada na 4ª Revolução Industrial, que agora vivemos, grandes marcas como Google ou Microsoft, entre outras, investem no treino das suas equipas para a identificação e eliminação do Unconscious Bias, ou seja, do viés discriminatório que tantas vezes tolda a forma de pensarmos e comunicarmos, e que tem perpetuado a replicação de estereótipos de género e culturais ao longo dos tempos. Estereótipos que em nada estão alinhados com sociedades contemporâneas que defendem a sustentabilidade humana e social. E porque é que estas grandes empresas o fazem? Porque perceberam que treinando as pessoas para identificarem e eliminarem este viés condicionante preparam-nas para verem e lerem a sociedade de uma forma plural e mais justa, reduzindo o risco do uso de preconceitos e estereótipos na produção profissional. Dizendo de outra forma, ensinam as pessoas a ver onde estão os seus preconceitos e vieses para que cometam menos erros quando falam, escrevem, pensam e programam algoritmos ou criam tecnologia que será usada por milhares ou milhões de pessoas. Se, por exemplo, esta tecnologia for concebida de forma discriminatória desde a sua raiz, no que diz respeito ao Género ou à cor da pele, teremos Apps e outros produtos a circular pensados e criados maioritariamente por homens brancos e heterossexuais, mas que se destinam a uma imensa variedade populacional, ou a um nicho, que não representam. No início de 2019 menos de 2% das pessoas que desenvolviam tecnologia no Facebook e na Google eram negras, e a presença de mulheres nas maiores companhias tecnológicas continua também a ser reduzida no mundo. Qual é o resultado? É a proliferação e manutenção de produtos, conteúdos e serviços desajustados e não realistas por terem sido pensados e criados por equipas pouco ou nada diversas. A consultora McKinsey refere, num dos seus estudos de 2018, que “Empresas que praticam diversidade e inclusão são, em média, 20% mais lucrativas”. A Google e outras já o perceberam, e tanto determinaram a diversidade como um objetivo a alcançar, como a defendem como valor intrínseco da organização. A diversidade, para além de trazer lucro e bem estar às equipas, torna a empresa inclusiva aos olhos do seu público-alvo, fá-la chegar a novos consumidores que antes não eram considerados, e posiciona-a como promotota de igualdade. Vantagens, do ponto de vista da reputação, comunicação e relação com as pessoas, não faltam.
É comum observarmos preconceitos e unconscious bias na publicidade, no cinema, nas notícias, na animação, mas chegámos a um ponto da História em que já não é aceitável manter-se a hegemonia do modelo de representatividade masculino branco e heterossexual como medida de todas as coisas. É um estereótipo em si mesmo que perpetua discriminações e injustiça social.
A Inteligência Artificial e o machine learning colocaram em cima da mesa o problema da desigualdade de género e da falta de representatividade negra e das mulheres na criação e difusão de tecnologia digital ou na produção de conteúdos, e respetivos impactos negativos que estas desigualdades têm na população como um todo. Não há algoritmos nem máquinas neutras, e isto tem impacta negativamente os direitos humanos e a vida das pessoas.
Como eliminar este erro hegemónico colossal? Por um lado, percebendo que a falta de diversidade e inclusão nas empresas e na comunicação resulta da perpetuação de um modelo de pensar, produzir e exercer poder que está perfeitamente obsoleto apesar de ainda vingar, e que afeta a sociedade como um todo, em particular a expressão identitária das pessoas, como nos comportamos face aos modelos que são popularizados ou invisibilizados na sociedade, as expectativas que projetamos ou não com base na estereotipia existente na comunicação simbólica, etc. Onde há pessoas há comunicação, e onde há comunicação há enviesamento, sexismo, discriminação, desigualdade. Estão em todo o lado. Tanto assim é que podemos ter dificuldade em notá-los, de tão normais que se tornaram. Mas a boa notícia é que são identificáveis e podem ser transformados em boas práticas de inclusão e representatividade. Por outro lado, caminhar no sentido da defesa inequívoca dos direitos humanos é outro passo importante a dar para o alcance de empresas, organizações e sociedades honestamente sustentáveis e inclusivas.
Deixo dois exemplos de boas práticas que nos mostram estarmos a seguir neste sentido, a nível nacional e internacional. Este mês foi lançado o Guia ADIM para a inclusão da diversidade sexual e identidade de género em organizações e empresas. Trata-se de um documento desenhado por organismos e especialistas de Portugal e Espanha, com apoio financeiro da União Europeia, que orienta e lança pistas para a inclusão de pessoas LGBTI no setor público e privado. Em segundo lugar, destaco a recém estreia da curta-metragem “OUT”, em que pela primeira vez a Disney produz um filme com duas figuras principais que são gays e cuja história gira em torno de dilemas comuns da vida de namorados homossexuais.
Foi preciso chegarmos a maio de 2020, em pleno século XXI, para que um curto filme de animação permitisse que rapazes e homens gays se vissem justamente representados numa animação produzida pela clássica fazedora de estereótipos Disney. As personagens Greg e Manuel não surgem como figurantes ou token. São as personagens principais. Apesar deste filme chegar tarde, é um marco no caminho do reconhecimento e respeito pelos direitos humanos neste setor em particular e que tem um impacto positivo à escala global. Hoje em dia, escalar os direitos humanos é fundamental.
Há muito por fazer e muita pedra por partir para uma justa presença e representação, na sociedade, de pessoas não brancas, com deficiência, mulheres, trans, e toda uma lista de gente que compõe o luminoso vitral da humanidade mas que tem estado nos bastidores da vida há demasiado tempo. O vitral só precisa de ser limpo porque a transparência e o brilho estão lá, são-lhe inerentes. Ainda assim, e apesar das resistências e dos vieses, parece-me que começámos mal o mês mas terminámo-lo bem. O caminho é mesmo por aqui.