Acredita-se que os seres humanos começaram a distanciar-se do seu ‘primo’ chimpanzé há cerca de 5 ou 7 milhões de anos. Com o passar do tempo, o Homo foi-se libertando das versões hominídeas que assumiu em regiões específicas do globo como seja o Homo Habilis, o Homo Erectus ou o Homem de Neanderthal. Temos estado em evolução, e continuamos em evolução numa direção que desconhecemos, e seguramente que daqui a um milhão de anos assumiremos uma forma física e uma destreza mental diferentes daquelas que hoje reconhecemos como normais do ser humano contemporâneo.
A espécie humana viveu, ao longo do tempo, embrenhada na natureza, no campo, em contacto direto com outras espécies de animais, plantas e elementos naturais, reconhecendo, aprendendo e lidando habilmente com eles, dominando-os para seu proveito e conhecimento, fosse para se alimentar, para curar-se de doenças ou conhecer melhor o ambiente à sua volta. Contudo, esta sabedoria adquirida ao longo de milhares e milhões de anos parece estar, atualmente, reduzida a pouco. Hoje, mesmo quem vive no campo tem dificuldade em reconhecer determinadas flores ou plantas, se pode usá-las na alimentação, se elas tratam problemas de saúde dos animais e das pessoas, se as crianças podem comê-las ou somente os adultos, e por aí adiante. Especificamente em relação às plantas e árvores, durante milhões de anos aperfeiçoámos um sistema de identificação e reconhecimento de espécies, e através dos seus óleos, das cascas, das pétalas ou dos estames produzimos soluções e mezinhas que aplicámos em banhos, lavagens, na comida e emplastros para a melhoria do nosso bem estar e da saúde. A natureza e seus frutos têm sido a nossa medicina. É a partir deles que é feito todo e qualquer medicamento da indústria farmacêutica. Foi através do estudo intenso e sistemático das características benéficas da aplicação de plantas, resinas, óleos naturais, entre outros, no ser humano com maleitas que a medicina moderna e a indústria farmacêutica se desenvolveram e consolidaram. Hipócrates, descendente de uma família que praticava cuidados de saúde e considerado pelo Ocidente como pai da Medicina Moderna, afirmou sabiamente 400 antes de Cristo: “Que o alimento seja o teu remédio”. O alimento no seu estado mais limpo, selvagem e não adulterado, cultivado e colhido de acordo com os ciclos na terra, nutre e confere bem estar ao ser humano. Dá-lhe saúde.
Hoje, o Homo Plasticus – aquela sub espécie do Homo Sapiens em que nos tornámos nos últimos vinte anos – alimenta-se de plástico a tal ponto que já se encontram resíduos de plástico nas suas fezes. Compra embalagens e mais embalagens feitas de matéria química onde lá dentro, acolchoado em plástico, vem o seu alimento. Esta espécie está doente, em particular aquela que vive em zonas urbanas, padecendo de duas condições: a cegueira dogmática, e a desconexão emocional. A cegueira dogmática advém de uma gradual perda de razão e sapiência para indagar, contestar, pesquisar e questionar de forma a perceber melhor aquilo que nos é dado a conhecer, comer, vestir, acreditar através da sociedade. O nível de escolarização aumentou, mas a capacidade de questionamento e de experiência autónoma estão em declínio, ultrapassadas pelo mainstream das redes sociais, dos novos produtos inventados para criar curiosidade e alimentar o consumo, pelo permanente sorriso de aprovação dos influenciadores sociais a certos produtos e serviços. A cegueira dogmática manifesta-se num excesso de certezas relativamente a coisas, ideias e assuntos que circulam dentro de uma tendência, moda ou corrente tornada mainstream, que gera uma corrente de comportamentos iguais aqui e na China, literalmente. Na cegueira dogmática, se uma coisa é mainstream, é porque é verdade. Vai tudo na corrente, em particular a partir dos social media, até porque a vida acontece nas redes sociais. Por sua vez, a desconexão emocional advém do distanciamento entre ser humano e natureza, muito dele causado pelo excesso ou dependência de vida online. Hoje, há pessoas que pisam um campo de flores ou planeiam um passeio à beira mar para tirar fotos nesse lugar e imediatamente as publicarem nas redes sociais onde escancaram o típico sorriso “a minha vida é linda”. Desconectadas emocionalmente do lugar, ligam-se ao Google para saberem tudo sobre o lugar.
São vários os estudos que mostram que a relação regular e íntima das pessoas com a natureza conduz a uma subida de bem estar ou à súbita melhoria de uma condição de mal estar como a ansiedade, por exemplo. Mas também não precisamos de estudos para sabermos, e sentirmos, que se formos caminhar descalços num bosque, à beira-mar ou num jardim relativamente calmos e silenciosos, iremos sentir–nos bem, mais leves e até aliviados. Os eletrões do solo ao entrarem no nosso corpo através dos inúmeros pontos que existem na sola dos nossos pés funcionam como um anti oxidante e um agente anti stress.
Reconectar é o grande desafio do ser humano moderno. Acredito que a nossa saúde psíquica, emocional e física dependem da reconexão com a natureza – levando a uma conexão íntima com o próprio -, da interiorização dos ciclos da natureza, e de uma maior exigência relativamente àquilo que a sociedade nos mostra como sendo normal e aceitável para tratar doenças e nos alimentarmos, para vivermos e socializarmos. Poderia dizer que ter acesso a melhor alimentação e saúde é uma escolha à mão de qualquer pessoa, mas isto não é verdade. Nem todas as pessoas são esclarecidas ou estão preparadas para indagar e desconfiar de determinadas informações mainstream, e até as que estão mais preparadas para questionar e sair da roda do condicionamento geral encontram dificuldade em furar o mainstream para encontrar uma vida alternativa. Mas não é uma missão impossível. Escolher em consciência ainda é uma escolha pessoal, e felizmente há escolhas ao dispor.
Onde fica o orgânico e o natural num mundo artificial? Passa a ser um luxo ao alcance só de alguns?
Se a ciência, a farmacêutica e a medicina modernas têm um papel fundamental no aumento da qualidade de vida, da esperança média de vida, no decréscimo da mortandade infantil ou no controlo e cura de doenças, também é verdade que nos tornámos menos orgânicos, menos intuitivos, menos naturais, e mais isolados e deprimidos. Acho que não há medicina que resolva o problema tão bem como o acesso a alimentos sãos, orgânicos e locais, ter vagar para viver, e estarmos em contacto intencional com a natureza. Há que assumir estas práticas individualmente e exigi-las coletivamente, para um futuro mais saudável e diversificado.