Quando me questiono sobre a atualidade do Dia Internacional da Mulher, o que mais me interpela é a crueza da realidade, que confirma a existência de desigualdade de género, de violência contra as mulheres e de um poder dominante, global, patriarcal e misógino, limitador do desenvolvimento civilizacional. Olhando para os relatórios das Nações Unidas, Conselho da Europa, União Europeia, Amnistia Internacional, Human Rights Watch, entre outros, confrontamo-nos com essa mesma realidade que devia indignar-nos.
Na Arábia Saudita, as mulheres conquistaram neste ano, em pleno século XXI, o direito de conduzir, mas continuam a ter um guardião e a não entrar livremente em locais públicos. No Chade, as meninas têm três vezes menos acesso à educação do que os rapazes. No Congo, mais de mil mulheres são violadas por dia. No Mali e na Mauritânia, a maioria das meninas é submetida à mutilação genital feminina antes dos cinco anos. Na China e na Índia, há um défice de mulheres, porque é feita uma seleção com base no sexo da criança antes de nascer e na primeira infância, dando-se primazia ao género masculino. Na Índia, para cada mil rapazes, 70 meninas com menos de seis anos são mortas. Na Síria, no Iraque, no Iémen e no Sudão, as mulheres são frequentemente usadas como despojos de guerra e como objetos de dominação através da violência sexual, quer nos cenários de guerra quer nos trajetos de fuga e nos campos de refugiados. Em El Salvador, nas Honduras e na Guatemala, o femicídio tornou-se endémico. Na Guatemala, em 2016, foram assassinadas 1 161 mulheres e, em 2017, a média de mortes por mês foi de 88 mulheres. Na Rússia, 36 mil mulheres são diariamente vítimas de violência doméstica e estima-se que morrem anualmente às mãos dos companheiros e maridos 14 mil mulheres.
Nas democracias da União Europeia a 28 países, em que Portugal se insere, as mulheres ganham em média menos 16,3% do que os homens e há 52 milhões de mulheres em risco de pobreza; são mais 8 milhões do que os homens na mesma situação. Durante o século XX, as nossas avós, bisavós, mães e irmãs lutaram por salário igual, por direitos sexuais e reprodutivos, por igualdade na educação, igualdade no voto, igualdade no exercício do poder. Noutros hemisférios e latitudes, as avós, bisavós, mães e irmãs de outras mulheres como nós lutaram pelo direito a um emprego, a não serem tuteladas por um homem, a casarem-se com quem escolheram, a não serem mutiladas. E, tal como nós, um século depois, continuam a lutar pelas mesmas velhas causas, gastas mas persistentes.
Os movimentos #metoo e Time’s Up, que nasceram em 2017 em Hollywood contra o assédio sexual, são dos acontecimentos mais relevantes deste novo século, contra as representações e os códigos de poder interiorizados socialmente e que rompem com a dominação e o abuso encapotado pela misoginia vigente. Também neste final de década, no Irão, surgiu um movimento corajoso e determinado contra a obrigação de as mulheres usarem véu, o hijab, que vem desafiar o poder dos ayatollahs, ditador de uma dominação patriarcal radical e punitiva de quem transgride. Este movimento das mulheres iranianas é um sinal muito relevante e tem um especial significado numa sociedade teocrática castigadora.
A verdade é que, apesar das lutas feministas e de Direitos Humanos que surgem e resistem em todo o mundo, há uma metade da Humanidade que é dominada por códigos e representações sociais que nos são induzidos subliminarmente desde que nascemos, desde que nos tornamos seres sociais. Esta é a atualidade deste dia, porque há um fenómeno estrutural de subjugação por uns e de complacência e cumplicidade por outros, na dominação das mulheres através da sua identidade, da sua sexualidade e da sua capacidade reprodutiva. O Dia Internacional da Mulher continua a ser necessário. Mas não chega dizer umas coisas: é preciso definir prioridades e agir politicamente, com coragem, em prol da igualdade e dos Direitos Humanos das mulheres e das raparigas