Em 2016, dos 50.927 médicos inscritos na Ordem, 54% eram do sexo feminino. Mas se olharmos para os profissionais com idades inferiores a 40 anos, esta percentagem sobe para 65%. Este ano, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, de cada 10 alunos que entraram, 8 são mulheres. Como professor desta escola médica, tenho inúmeras turmas constituídas exclusivamente por raparigas.
Embora a medicina seja uma área onde as diferenças entre géneros seja menor que as verificadas noutras áreas profissionais, ainda assim existe evidência que as mulheres têm menos possibilidade de progressão nas carreiras assistenciais, menor possibilidade de chegar às cátedras nas escolas médicas e, globalmente, menor acesso a certo tipo de especialidades.
Esta “feminização” da profissão levanta várias questões muito interessantes, desde as causas para selecção de determinadas especialidades pelo sexo feminino (Medicina Geral e Familiar, Ginecologia/Obstetrícia, Anestesiologia, Imunohemoterapia, Pediatria, Patologia Clínica, Medicina Materno-Fetal, etc.) até o tipo de horários preferidos ou ainda os problemas com constituição de família (dificuldades de gravidez durante o internato).
O que não tem sido estudado com o rigor que seria necessário é se a qualidade dos cuidados é diferente entre os géneros. Este é um aspecto crucial na análise da demografia médica, já que pode determinar reformas importantes.
Precisamente para estudar este aspecto específico – isto é, se a mortalidade e a taxa de reinternamentos foi diferente nos doentes cuidados por médicas vs. médicos – um grupo da Harvard T. H. Chan School of Public Health analisou uma amostra de doentes da Medicare (1.583.028 com mais de 65 anos de idade) internados em múltiplos hospitais americanos de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2014. Estas análises foram ajustadas para as características dos doentes e dos seus médicos, assim como dos hospitais e da gravidade das doenças de base (este ajustamento permite comparações rigorosas, independentes de variáveis que possam influenciar os resultados). [1]
Os resultados foram claros: os doentes tratados por médicas tiveram uma mais baixa mortalidade aos 30 dias (11,07% vs. 11,49 %;), assim como uma menor taxa de reinternamento também aos 30 dias (15,02% vs. 15,57%). Estes resultados verificaram-se em todas as doenças seleccionadas e em todas as gravidades dos quadros clínicos dos doentes (dos mais leves aos mais graves).
As explicações para estas discrepâncias podem encontrar-se não na competência directa de médicas vs. médicos, mas talvez no estilo de prática feminino. Sabe-se que as mulheres levam mais em linha de conta as normas de orientação clínicas (as chamadas guidelines, que são documentos com recomendações práticas baseadas na melhor evidência científica publicada), praticam uma abordagem mais centrada no doente, conseguem estabelecer melhores relações médico-doente e passam mais tempo em contacto directo com estes.
Estes resultados, no entanto, não chegam para podermos afirmar que é preferível ter uma médica-assistente em vez de um médico-assistente, até porque as diferenças são modestas (para se evitar uma morte é preciso tratar 233 doentes e para se evitar um reinternamento 182 doentes). Mas estes dados merecem uma reflexão cuidada e podem servir de base a uma transformação da clínica hospitalar, uniformizando as práticas entre os dois géneros.
[1] Tsugawa Y et al. Comparison of hospital mortality and readmission rates for Medicare patients treated by male vs female physicians. JAMA Intern Med 2017;177(2):206-213