Muitas vezes em conversa com amigos sobre o valor precioso que encontro nos animais e em particular nos cães – porque tenho cães desde criança e cresci com eles – uso esta frase como lema «Um cão por dia, não sabes o bem que te fazia.». Criei-a porque acredito mesmo nela. E, também digo, em brincadeira, que o contrário de God é Dog por alguma razão. Brincadeiras à parte, sou apaixonada por animais e reconheço-lhes o valor e a dignidade próprias de qualquer ser que vive e tem um papel a cumprir na Terra. Há milénios que criamos animais dentro de casa ou nas imediações da casa e com eles estabelecemos relações de proximidade, necessidade ou intimidade: os cães protegiam-nos a casa em troca de comida enquanto os gatos afastavam os ratos dos terrenos e das capoeiras, ao passo que os bois e cavalos ajudavam (e ajudam) na lavoura e nos transportes, enquanto outros animais eram criados para nos servirem de sustento, roupa ou moeda de troca. Esta relação nem sempre foi win-win, mas havia e continua a haver uma relação entre ambas as partes. A necessidade que temos de criar e ter animais à nossa volta é maior do que a necessidade que eles têm de nós. São mais autossuficientes do que os humanos. De qualquer forma, ainda bem que têm um papel grandioso ao nosso lado. A nossa vida seria eternamente mais pobre, a nossa saúde mental e física deficitária e a literatura menos rica se os animais não convivessem connosco nem tivessem a paciência que têm para as manias típicas dos humanos. São muitos os estudos que provam os benefícios dos animais de estimação na nossa vida e saúde pessoal.
Este ano houve uma alteração histórica no Código Civil português com a introdução de uma nova lei que assume e reconhece os animais como seres vivos dotados de sensibilidade. Tal como nós, eles são seres sencientes. Assume-se que não são objetos dos quais pomos e dispomos. Quem convive com animais e se liga a eles profundamente percebe com clareza que a sua influência no meio ambiente é fundamental e que eles sabem muito mais do que aquilo que achamos conhecer deles. A ciência lentamente, muito lentamente, vai provando competências e habilidades em animais que nos deixam espantados. Mas, se pensarmos bem, por que razão ficamos espantados se todo o ser vivo é único, tem identidade e integridade como qualquer ser humano, inteligência e linguagem própria, e, acima de tudo, um papel fulcral na manutenção da fina e complexa teia de inter-relações entre todos os seres vivos na Terra, que vai da lagarta do pinheiro à lagosta, e da coruja das torres ao coqueiro? Creio que esta nossa falta de visão para com a grandiosidade dos outros animais vem da tendência de acharmos que estamos no topo da cadeia alimentar. Mas se de repente ficarmos indefesos e com um urso adulto esfomeado à nossa frente, a nossa posição no topo da pirâmide vira fumo e nós viramos o pitéu do urso. Há que saber relativizar a história o poder.
Se é comum participarmos em conversas entre amigos onde muitas vezes são criticados o mau uso de redes sociais, aplicações e dispositivos criados para nos divertir, ocupar o tempo ou facilitar o quotidiano, imaginemos este mesmo cenário daqui a 10 ou 15 anos considerando o que os futurologistas prevêem acontecer: a imersão do ser humano no mundo da robotização, automatização, inteligência artificial e outras realidades distópicas a uma velocidade nunca antes verificada em nenhuma outra revolução cultural e industrial. Vamos ficar mais dependentes dos smartphones e de outros dispositivos virtuais do que já somos? A resposta parece-me ser um redondo ´sim´. E se entretanto não nos cair a ficha para reagirmos a tempo, o cenário pode ser negro e a nossa saúde mental estar em risco. O futurologista Gerd Leonhard diz que daqui a dois anos é previsível haver robôs a entenderem 100% da linguagem humana e que a humanidade vai mudar mais nos próximos 20 anos do que mudou nos passados 300. As implicações e consequências disto são incalculáveis. Vamos ter de passar pelo processo para saber e sentir o peso das mudanças, mas há vários especialistas em tendências de consumo e macrotendências que nas suas palestras têm vindo a alertar as pessoas para os perigos da desumanização da vida que aí vem. Eu não sou futurologista mas arrisco dizer que nas próximas décadas o número de doenças mentais e depressões irá aumentar exponencialmente graças ao distanciamento que haverá entre ser humano e a sua própria natureza, crescente isolamento e vivência equivocada dentro de realidades virtuais. Estaremos fritos…. a não ser que saibamos manter os pés na terra através de comportamentos e hábitos saudáveis, naturais e orgânicos, e quanto a isto os animais podem ter um papel altamente positivo e até reparador nas relações entre seres vivos. Tudo bem, até podemos arranjar um cão-robô pela graça de termos um, mas mantermos relações orgânicas de tato e empatia com animais de estimação tem um valor insubstituível na nossa sobrevivência. Até é expectável vermos a confusão entre real e virtual acontecer na cabeça de miúdos, mas o problema é que até os adultos de hoje estão confusos sobre as fronteiras de um e de outro agindo como se não houvesse limites. É verdade que a vida social é bastante mais confusa e complexa do que era há 10 anos, mas se hoje é assim, conseguem imaginar a loucura que será daqui a 10 ou 20 anos? É mesmo isto que queremos das nossas vidas? A ideia é estarmos continuamente a brincar ao faz-de-conta como se isso fosse a vida a sério? Parece-me uma proposta triste e limitadora que deixa pouca margem de manobra para o livre arbítrio e exercício de escolha. Na minha opinião, aproximarmo-nos da nossa dimensão mais íntegra e humana deveria ser a proposta mais razoável para o ser humano explorar nas próximas décadas, mas considerando que no futuro breve estaremos mais distanciados uns dos outros do que nunca, pelo sim pelo não o melhor é arranjarmos um cão.