O médico do tempo moderno raciocina sobre os sintomas com parâmetros que lhe são fornecidos pelos dados da evidência científica, procura de seguida o diagnóstico através de algoritmos que aprendeu e que reiteradamente a sua experiência incorporou e, finalmente, conhecido o diagnóstico aplica os protocolos terapêuticos que se adequam ao referido diagnóstico. Muito frequentemente o doente neste processo foi observado acessoriamente por meios analíticos, de imagem ou outros que ajudam o médico no diagnóstico e decisão terapêutica. Quando uma situação clínica muito específica não permite que este fluxo de actos funcione desta forma linear, pede-se ao médico com a sua arte e criatividade consolidada na ciência e experiência, que encontre a melhor solução para o problema.
Este encontro entre médico e doente provavelmente aconteceu ou acontecerá num hospital público ou privado, num centro de saúde e, cada vez menos, num consultório privado.
De facto, só as instituições têm capacidade, massa crítica e a possibilidade de gerar economias de escala para rentabilizar os recursos humanos e técnicos, que são absolutamente necessários às boas práticas, como por exemplo, equipas multidisciplinares e tecnologias de saúde.
Contudo, as instituições custam dinheiro, cada vez mais dinheiro e, naturalmente, têm de criar processos que maximizem a eficiência de toda a sequência de actos que decorram da abordagem de um doente/paciente (utente no público, cliente no privado).
Dessa procura necessária de eficiência há obviamente que rentabilizar o tempo de cada técnico e particularmente o tempo de cada médico, o que significa tentar que o médico consiga cumprir as tarefas inerentes em cada passo da sua intervenção no mínimo tempo possível. Um médico eficiente é aquele que consiga cumprir mais tarefas (consultas por exemplo) no menor tempo possível, ou seja, é aquele que possa gerar mais receita com o menor custo unitário.
Neste sentido as instituições de saúde deixaram de ser geridas por médicos ou até outros técnicos da área da saúde para naturalmente serem geridas por pessoas com formação em Gestão ou Engenharia, o que até se compreende, face à preparação académica que é necessária para garantir os tais bons níveis de eficiência. Aliás, muitas instituições de saúde, sobretudo as de maior dimensão, contemplam já nos seus quadros directivos com a função de “Director de Produção” o que mostra bem o cuidado que a produção eficiente merece.
Como não podemos viver no melhor de dois mundos para se obter a máxima eficiência é necessário sacrificar alguma coisa e neste caso o sacrifício é o tempo médico.
O médico por seu lado para gerir o seu tempo tem que se focar no que “interessa”, naquele corpo doente. Sem tempo, não tem tempo para conhecer a pessoa que está por detrás daquela doença e, por isso, sem conhecer a pessoa não tem hipóteses de exercer uma Medicina Personalizada, centrada na pessoa e humanizada.
Vive-se assim hoje o paradoxo do médico ter mais hipóteses de conhecer melhor a doença sem sequer conhecer o doente e este ainda ter a expectativa de se ver reconhecido pelo médico na sua singularidade.
Regressando ao início deste texto o médico consegue capturar as queixas mas já não tem tempo para conhecer, falar e, porque não, tranquilizar, esclarecer e apoiar.
A piorar a situação está o computador e o seu ecrã onde se têm de fazer registos (que também ocupam tempo) e que muitas vezes impedem a observação e comunicação face a face, que o registo escrito manual permitia melhor.
Como sou optimista acredito que o tempo irá voltar a exigir o retorno a uma medicina da pessoa que me parece ser compatível com níveis de elevados de eficiência, se o foco for deslocado do corpo doente para a pessoa com doença. Para que tal aconteça o financiamento das instituições terá que ser focado acima de tudo na boa qualidade do encontro entre o médico e a pessoa. Se assim for a engenharia financeira deslocar-se-á da rentabilização dos aparelhos e das técnicas para o acto médico da consulta personalizada. Se assim não for manteremos o estado actual da primazia da tecnologia aplicada ao corpo doente.
Como médico e como pessoa passível como qualquer outra de adoecer parece-me mais interessante a ideia do médico rebocar a tecnologia, do que a ideia do médico ao serviço da aplicação da tecnologia, o que implicará a consagração do tempo de encontro e posterior compatibilização com o tempo da tecnologia.
Na verdade só com tempo se pode gerar empatia, compaixão, o conhecimento do outro, enfim uma relação entre 2 pessoas. Sem tempo existe um corpo com um nº de processo apenso. Não creio que seja esta a aspiração das pessoas na medicina do futuro.
Mas como sempre constatamos que tempo é dinheiro.