No último artigo escrevi sobre Intrapreneurship, mas hoje, nem uma semana depois do Web Summit, é incontornável escrever sobre este evento, que tem Lisboa como a sua nova casa. Os números são, por si só, impressionantes. Estiveram presentes 53.056 pessoas (7.787 portugueses), de 166 países. Destes, mais de 7.000 são CEO’s. Foram cerca de 15.000 empresas, 1.490 start-ups de todo o mundo e mais de 1.300 investidores. Todo este movimento se torna ainda mais incrível quando percebemos que esta conferência iniciou-se somente há 6 anos com 400 pessoas…
O outro lado da tecnologia: Talento
Sobre este evento já muito foi escrito e comentado, pelo que vou abster-me de abordar a componente organizativa (com bastante pontos positivos e outros a melhorar), e focar-me na área que melhor conheço, ou seja, o talento que se encontra num evento como este.
O Web Summit não é (só) uma conferência sobre tecnologia, é sim um evento onde o talento emerge a cada esquina (ou booth como se designam os pequenos expositores onde encontramos a grande maioria das start-ups). Neste espaço respiram-se ideias, algumas disruptivas, mas acima de tudo sente-se a vontade e a ambição que tornam possível transformar sonhos em empresas. E como é bom viver com este espírito! Se há algo a retirar destes dias é que a atitude positiva, a audácia e atrevimento (falar com CEOs globais, por exemplo), compensam. Tivemos, inclusivamente, uma start-up portuguesa, Storyo, que fez entrar no MEO arena um dos seus elementos vestidos de panda e isso levou-o a ser convidado a ir ao palco. No seguimento deste episódio, o CEO do Storyo, Filipe Vasconcellos afirmou que “para ser empreendedor, é preciso, entre outras coisas, ter coragem para “hustle”— fazer crescer empresas de forma discreta já não é válido nesta nova economia em que tudo acontece num abrir e fechar de olhos”.
Por outro lado temos Shervin Pishevar (considerado um investidor visionário) que referiu: “Se vocês têm uma ideia, avancem. Este é o momento”, ou Josh Giegel (co-fundador da Hyperloop): “Eu despedi-me ainda antes de saber se isto ia chegar a algum lado, foi um risco, mas não podemos ter medo de arriscar”.
Ambos acreditam que é preciso ter coragem e seguir os sonhos. Por isso, as pessoas que participam neste evento têm características especiais, são, orgulhosamente, empreendedores (claramente está na moda ser empreendedor. Os nerds são as novas estrelas de rock).
Perigo: Empreendorismo é a nova moda
Numa das palestras mais concorridas, e agora uma das mais populares nas redes sociais, Gary Vaynerchuk (empreendedor, investidor, autor, orador e um ícone nos media), alertou para o perigo de vivermos numa sociedade onde ser empreendedor virou moda. Não querendo contradizer o que escrevi anteriormente, quero, contudo, deixar um alerta para o que está a acontecer. Hoje em dia, qualquer pessoa que tenha uma ideia pensa que conseguirá ter uma empresa de sucesso. É verdade que este é um dos benefícios da tecnologia, ou seja, democratizou-se o acesso ao sonho de ter uma empresa pois a inovação tornou-se substancialmente mais barata (estima-se que nos próximos 20 anos vamos assistir a tanta inovação como nos últimos 1000 anos). Mas a verdade é que ser empreendedor é muito difícil, tal como é ser médico ou físico nuclear. Isto é, nem todos podem ser médicos ou físicos, logo nem todos podem ser empreendedores, por muito trendy e apelativo que isso seja.
Felizmente, já existe consciência disso, pois como Anthony Douglas da Hole19 (start-up portuguesa dedicada ao golfe) disse, “tratar os fundadores de start-ups como super estrelas não é o caminho certo”. É aqui que o verdadeiro talento se distingue do restante, pois uma das características fundamentais é o self-awareness que tem de existir e perceber que apesar de ter uma óptima ideia e até capacidade de execução, não vai conseguir atingir nada se não tiver uma equipa consigo. Tal como já escrevi, as pessoas seguem quem as lidera por exemplo e não quem tem a postura do líder eucalipto, i.e., que seca tudo a sua volta para ser o único a brilhar. Resumindo, ser empreendedor, líder e um óptimo gestor é algo raro, e por isso mesmo, a grande maioria das start-ups presentes nestes eventos não conseguem sobreviver mais do que uns poucos anos.
Mas também é verdade que o ecossistema do empreendorismo está cada vez mais completo, o que ajuda os jovens CEOs a conseguirem verdadeiros milagres. Não é suposto ser-se CEO aos 27 ou 28 anos e gerir dezenas ou centenas de pessoas, mas a verdade é que eles existem. Logo, devem ter a capacidade de reconhecer que têm de ir buscar a experiência que lhes falta, seja ao famoso smart capital (investidores que, para além de dinheiro, acrescentam conhecimento ao negócio), ou ao advisory board que os desafia a pensar e os guia perante muitas das adversidades que lhes surgem constantemente.
Termino com a frase de abertura do fundador do Web Summit, Paddy Cosgrave, “Uau. Isto é completamente de doidos”. O wow effect que aconteceu, perante um MEO Arena repleto, deve ter por base não o número de pessoas, mas sim o brain power que este evento trouxe para Lisboa. Felizmente, muitos ficaram fascinados pela cidade e pelo talento que Portugal tem. Por isso só podemos esperar por mais empresas a estabelecerem-se no nosso país e em sermos cada vez mais um centro de inovação global. Isso sim, é o valor extraordinário que podemos esperar dos próximos Talent Summit.
* (O autor escreveu este texto com base na ortografia antiga)