Periodicamente somos “assaltados” por notícias sobre a utilização excessiva de antidepressivos. Interpreto estas notícias de duas formas. Ou nos querem dizer que no país está a aumentar o número de pessoas em sofrimento psicológico ou, ainda com maior probabilidade, que se está a abusar indevidamente no uso destes fármacos. Muitas vezes são as próprias autoridades sanitárias ao pronunciarem-se sobre estas notícias que amplificam este alarme social e, como veremos, o preconceito associado.
Normalmente ninguém questiona a persistência de tratamentos farmacológicos em situações patológicas como a Diabetes, a Hipertensão Arterial ou a Hipercolesterolémia. É consensual a necessidade destes tratamentos para o controlo destas situações e todos estamos de acordo que os mesmos podem durar a vida inteira. Para além disso, esse questionamento não é feito ainda que ao próprio pelo seu comportamento, hábitos de vida ou alimentares, possam ser imputáveis algumas responsabilidades nestas situações. O tratamento durará o tempo necessário e esse tempo poderá ser o resto da vida.
Esta situação aceite com naturalidade para doenças somáticas como as descritas já não é da mesma forma aceite para uma qualquer modalidade de sofrimento psicológico.
Se alguém tiver o azar de sofrer de depressão recorrente, pânico ou ansiedade generalizada e o seu sofrimento puder ser aliviado, controlado, tratado ou até mesmo curado com a toma de um antidepressivo a longo prazo ou mesmo para a vida, então o caso muda de figura.
O “senso comum” irá sentenciar sobre o assunto que:
- Tomar um antidepressivo significa “ser fraco” por incapacidade de controlar sozinho e com a força da “sua mente” a situação.
- Tomar um antidepressivo significa risco de mudar a personalidade.
- Tomar um antidepressivo significa aceitar anestesiar o que se sente.
- Tomar um antidepressivo significa correr o risco de ficar “dependente”.
- Tomar um antidepressivo significa escolher o caminho fácil de não procurar a origem psicológica do problema.
- Enfim, tomar um antidepressivo significa tudo o que quisermos dizer sobre o assunto com a finalidade de atribuirmos a esse acto um valor de fraqueza, cobardia ou risco de adição.
Não parece haver alguém capaz de aceitar que tomar um antidepressivo para aliviar o seu sofrimento e para tratar ou ajudar a tratar alguma doença psicológica subjacente possa ter o mesmo valor que tomar um antihipertensor, um antidiabético ou um antidislipidémico. Mesmo pessoas profissionalmente ligadas à Medicina ou à Psicologia ou outros com responsabilidades no sector da saúde demonstram declaradamente o preconceito do uso de fármacos no sofrimento psicológico.
Acresce ainda que aos antidepressivos são simultaneamente atribuídos dois efeitos antagónicos. Por um lado são capazes de mudar a personalidade, são anestesiantes psicológicos, são tóxicos, são perigosos, provocam dependência. Por outro lado não têm efeito e são semelhantes ao placebo. Note-se aqui que ninguém lhes atribui qualquer efeito benéfico.
Neste sentido o caminho da maldição para os antidepressivos já está traçado e se possível naquilo que impregna de calvinismo as nossas sociedades, o melhor é acabar com eles. Quem sofre tem que sofrer e já agora que sofra.
E já agora todo o conhecimento de séculos que deu origem à virtualidade tecnológica de configurar num comprimido a possibilidade de aliviar o sofrimento psicológico (depressão, angustia, ansiedade) deve ser anulado em função de um preconceito de senso comum que persiste na estigmatização da patologia psíquica como em mais nenhuma outra.
De qualquer forma saliente-se que um antidepressivo não é nenhuma “droga da felicidade”, nem “milagreiro”, variando até ao nível de eficácia de pessoa para pessoa. Felizmente não retira à pessoa a capacidade de se situar no mundo e de discernir. Além disso, um antidepressivo jamais irá resolver a vida de quem quer que seja e muito menos modificará as circunstâncias da mesma para além da vontade de cada um.
Associada à psicoterapia melhora o resultado final da própria psicoterapia e as duas formas de tratamento constituem em conjunto o ideal de qualquer plano terapêutico para a depressão.
Teremos que em definitivo perceber sem qualquer estigma que os seres humanos, como seres únicos e unos são ao mesmo tempo bio, psico, sócio e seres culturais. Privá-los de uma forma activa, simples e barata de se sentirem melhores ou menos mal é um preconceito que constitui um acto injusto e imoral.
Espera-se que o caminho do amaldiçoamento dos antidepressivos não venha a ter como resultado mais um recuo civilizacional. Para já alguns dos grandes gigantes da Indústria farmacêutica a quem se atribuem por questões de interesses comerciais os malefícios da praga dos antidepressivos, já anunciaram o abandono definitivo da sua investigação na área. Afinal, também para a Indústria os antidepressivos passaram a ser um incómodo.