É delicado, pode ser intenso, suave, fugaz, demorado, sensível, ou pode nem aparecer. Não é imprescindível para o prazer sexual mas… é bem melhor com do que sem. O orgasmo nas mulheres representa uma conquista no caminho da descoberta da sexualidade. Para umas, esse caminho na perseguição do prazer sexual começa cedo, e para outras começa mais tarde, por vezes mesmo após anos duma vivência sexual pouco satisfatória. O que é relevante, é que para muitas mulheres, o orgasmo não é de caras. O orgasmo feminino exige algum trabalho, algum investimento. Primeiro no conhecimento do próprio corpo, e a genitália feminina não é fácil, metade está escondida, é interna. Depois, na descoberta do erotismo, um fenómeno que dura a vida toda. Na conquista do erotismo importam as vivências acumuladas ao longo da vida, a abertura ao novo, e as experiências de prazer através do corpo. O sol, o toque dum lençol, um banho no mar, o cheiro da terra molhada, são só alguns exemplos. A capacidade de estar sensorialmente no mundo é fundamental para o nosso erotismo. É assim, por vários caminhos, trilhos e atalhos que vamos descobrindo os estímulos eróticos que funcionam para cada uma de nós. Estes estímulos eróticos são os triggers que despoletam a excitação sexual que, a dado momento dispara para o orgasmo.
O mito do orgasmo clitoridiano versus vaginal
Antes de mais, desfazer o mito. Essa ideia Freudiana de distinguir os orgasmos clitoridianos, atribuídos às mulheres neuróticas e imaturas, em oposição aos orgasmos vaginais protagonizados por mulheres saudáveis e maduras, é uma ideia errada e falsa. Freud foi genial mas aqui não esteve nada bem. Não existem vários tipos de orgasmo. Seja qual for o estímulo, clítoris e vagina são indissociáveis na experiência orgástica. Mas o clitoris é mesmo o actor principal. O clítoris é imprescindível, directa ou indirectamente, para desencadear o orgasmo. Trata-se de uma estrutura interna, com dois corpos cavernosos-erécteis com 9 cm de comprimento, muito para além da pequena glande visível com 1 ou 2 cm. Escrevi sobre isto noutro artigo da Visão, onde incluí uma imagem legendada que recomendo vivamente , o artigo intitula-se “Apontamentos sobre prazer sexual feminino”.
O orgasmo é traduzido fisiologicamente por contrações da musculatura do terço externo da vagina. Apesar de fisiologicamente ter sempre a mesma expressão, pode ser provocado por vários tipos de estimulação. Algumas mulheres são capazes de novos orgasmos, se a estimulação for continuada. Daí a designação que se generalizou perigosamente, de mulheres multiorgásticas.
Condições sine qua non para o orgasmo feminino
Primeiro, e antes de mais, a mulher precisa de estimulação adequada e suficiente. Atenção que os estímulos que funcionaram num determinado momento da vida, podem já não ser eficazes. Ou seja, aquilo que nos excitava aos 20, já não é o mesmo que nos excita aos 40, aos 50 ou aos 70. E não se esqueçam que os parceiros não adivinham com uma bola de cristal que estímulos são esses. É preciso que a mulher comunique sobre isto e o deixe saber.
Em segundo lugar, o orgasmo exige alguma entrega da mulher, a capacidade de “deixar-se ir”, é uma espécie de baixar a guarda, agarrar-se aos estímulos e permitir-se ao prazer. Este exercício pode não ser nada fácil numa cultura herdeira da tradição Judaico-cristã em que a socialização sexual das mulheres não é no sentido de perseguir o prazer sexual, mas muito pelo contrário, no sentido de contenção e repressão da excitação e do prazer.
E em terceiro lugar, é preciso não ter medo de perder o controlo. Esta condição está conectada com o aspecto anterior. Ter um orgasmo é uma perda de controlo. E mais uma vez isto pode ser difícil para algumas mulheres que estão treinadas para estar continuamente alerta, vigilantes e em controlo.
Mas ainda assim, isto pode não ser suficiente pois, há outros factores que podem inibir o orgasmo.
Factores perturbadores do orgasmo das mulheres
Antes de mais, qualquer condição médica que possa perturbar a excitação sexual (diabetes, por exemplo, ou uma histerectomia, entre outras). Se não houver factores orgânicos, avançamos para os psicológicos e socio-culturais, que são de vária ordem.
O medo é um inimigo do orgasmo. Medo de perder o controlo, medo do que vem a seguir, medo da entrega, entre outros medos, o medo bloqueia o orgasmo e o prazer.
Personalidades muito controladoras também podem ter mais dificuldade com o orgasmo, tal como as mulheres mais ansiosas. A falta de conhecimento do corpo genital e dos estímulos eróticos, também podem constituir um obstáculo ao orgasmo. Por um lado, a masturbação facilita a exploração e conhecimento da genitália feminina, e por outro lado, a experiência sexual permite a descoberta dos estímulos eróticos necessários à excitação. Para além disto, uma socialização sexual repressiva durante a infância e adolescência, numa cultura onde prevalecem as crenças religiosas que associam o prazer ao pecado, não ajuda mesmo nada o orgasmo nas mulheres (sobretudo das que são agora mais velhas). Mas há ainda outras variáveis de peso nesta equação do prazer feminino. A insegurança sobre os sentimentos do parceiro, o sentir-se pouco desejada, ou as dúvidas sobre as intenções dele, podem também ser uma ameaça. E sem dúvida alguma, o consumo de álcool que é um inibidor do sistema nervoso central, e alguns fármacos, como por exemplo, os anti-depressivos que tantas mulheres tomam, atrasam ou inibem totalmente o orgasmo.
E para terminar esta descrição exaustiva, um último factor perturbador do orgasmo feminino: a distração! Sim, é verdade, as mulheres distraem-se durante o sexo com pensamentos muitas vezes involuntários. A capacidade de ser multitasking mais prevalente nas mulheres tem um custo adicional que é a dificuldade de concentração. Esta distração fá-las “largar” os estímulos eróticos e assim a excitação é perturbada.
Num estudo* que publiquei recentemente sobre distração cognitiva durante a actividade sexual, com uma amostra de 1.088 portugueses, as mulheres referiram distração cognitiva significativamente superior à dos homens. E essa distração cognitiva das mulheres durante o sexo é baseada na sua preocupação com a aparência física, enquanto que a distração dos homens é baseada na sua preocupação com a performance.
Em conclusão, o que acontece frequentemente na perturbação do orgasmo feminino é uma combinação de vários factores. E é isso que temos que avaliar numa consulta de sexologia clínica.
O pós-orgasmo
No maravilhoso mundo da diversidade feminina e sexual, as mulheres podem reagir de forma contraditória ao momento após o orgasmo. Para umas, o orgasmo pode representar o fim da excitação e tudo acaba ali, ou pelo contrário, pode ser apenas um pico de prazer e a festa continua. Imediatamente depois do orgasmo, algumas mulheres querem parar, numa reação do tipo “Não me toques”, ou, pelo contrário, “Abraça-me”. Outras querem continuar pois, o orgasmo foi apenas um bom contributo para a excitação que não foi interrompida. Para estas mulheres, um segundo orgasmo pode ser bastante fácil.
* Carvalheira, A., Godinho, L., & Costa, P. (2016). The impact of body dissatisfaction on distressing sexual difficulties among men and women: The mediator role of cognitive distraction. Journal of Sex Research. DOI:10.1080/00224499.2016.1168771