A citação que se segue já foi atribuída a vários autores porque, sendo uma verdade profunda e inquietante, há sempre quem dela se queira apropriar – “Nós não vemos o mundo como ele é mas como nós somos”.
Mas começo por esta citação não para dissertar sobre direitos de autor, nem para opinar se a citação é do Talmude ou da Anaïs Nin, se é do século I ou do XX. Aqui o importante é perceber como esta frase se transformou num algoritmo e que ele gere a nossa visão ao mundo. As nossas visões, melhor dizendo.
Quando o Google nasceu, visava optimizar a rapidez e a precisão das buscas na net. Definia a relevância de um website medindo essencialmente referências cruzadas, número de buscas anteriores e clicks ou visitas. Ou seja, definia a relevância pelo sucesso, pela média, sem qualquer curadoria. Partia do pressuposto que, ao procurarmos “laranjas” procurávamos todos o mesmo. Ora isso não é bem assim. Eu posso procurar “laranjas” porque estou a fazer dieta e preciso de saber o seu teor nutricional, mas pode haver quem procura tons de laranja para pintar uma parede (péssima ideia já agora). Se “laranjas” não significa o mesmo para todos nós imaginem liberdade ou democracia ou educação ou tudo o que é ligado aos temas ditos fraturantes.
Nós últimos anos a internet evoluiu dos logarítmos da medianía para os logarítmos personalizados… ou quase.
Essa mudança foi empurrada pela chegada e sucesso do Facebook cujo sucesso passou por perceber que uma rede social é uma fonte de informação que bem trabalhada permite reogranizar o mundo digital que vemos em função dos nossos interesses e dos nossos amigos e da forma como interagimos com uns e com outros. Por isso hoje em dia vemos um mundo com curadoria digital especialmente desenhada para cada um de nós, com base numa interpretação de tudo o que fazemos online.
O pressuposto é de que temos a internet que queremos… a não ser que queiramos ser desafiados, que queiramos analisar outras perspectivas de vida, que queiramos pensar e perspectivar. E esse é o problema.
Como conseguimos garantir que a internet que vemos, e que define a nossa imagem do mundo, não serve somente para reforçar quem somos com o risco de nos radicalizar? Como garantir que continuamos a ler, ver, ouvir e respeitar posições diferentes da nossa? Até que ponto os logaritmos personalizados empurram para a dualidade simplista feita de opostos? Apoiantes de Trump vs Detractores de Trump. Apoiantes de Lula vs Detractores de Lula. Esquerda vs Direita.
Claro que a internet nos abre para o mundo, como nunca antes mas será que cumpre por inteiro o seu papel?
Num mundo onde temos o que queremos será que temos o que precisamos? Como se consegue reproduzir num algoritmo o critério editorial do Expresso ou da Visão, onde se cruzam cronistas e jornalistas de esquerda e de direita e onde nós nos cruzamos com eles. Será que ao alegadamente termos o que queremos não nos vamos deixar de cruzar com quem devemos?
E o que tem isto a ver com marketing e publicidade? Tudo.
Se as pessoas dificilmente se cruzam com o que não procuram, as marcas só têm uma de duas opções para se cruzarem com os seus consumidores, ser brutalmente intrusivas ou inteligentemente relevantes.
Claro que há marcas com visão curta que têm vindo a desistir de comunicar e que assim vão agravando a sua perda de valor e é claro também que existem outras que insistem no modelo antigo, fazendo mais do mesmo para ultrapassar limitações de qualidade e criatividade, mas a solução sustentável passa por olhar para as marcas de uma forma mais completa e fazer opções. Definir o que a marca é e o que não é. O que ela apoia e o que ela contesta. O que ela quer mudar e o que ela quer preservar. Neste mundo de logaritmos personalizados e dualidades simplistas é mais arriscado optar mas é bom lembrar que não optar é assumir o maior de todos os riscos. O da irrelevância. É por isso que nos últimos anos estamos a assistir ao surgimento do lado progressista das grandes marcas como a L’Oreal Paris, a Nike ou a Unilever lutando contra o racismo, pela igualdade de direitos e pela sustentabilidade ambiental e também pela diversidade e pela auto confiança.
As grandes marcas são hoje mais assertivas, mais humanas, mais completas. É isso que se lhes exige.