A análise das estatísticas de saúde da OCDE mostram-nos resultados que, há cem anos, teríamos dificuldade em antecipar.
Em 2013, último ano com informação disponível para a quase totalidade dos países, a esperança média de vida à nascença era de 80,8 anos, em Portugal, valor um pouco inferior ao da média dos 15 países da União Europeia, antes dos últimos alargamentos, que se situava em 81,2 anos.
Com efeito, nas últimas décadas, Portugal registou avanços extraordinários relativamente a este indicador: 66,7 anos de esperança média de vida à nascença em 1970, 71,4 em 1980, 74,1 em 1990, 76,9 em 2000.
Mas estes números ocultam, pelo menos, dois problemas.
Um é a diferença entre homens e mulheres: elas com 84 anos de esperança média de vida (um pouco melhor do que a média da UE15, situada nos 83,7 anos), eles com 77,6 (um ano menos do que a média da UE15). Porquê esta significativa diferença? Importa recordar que as tendências revelam que à medida que a esperança de vida das populações aumenta, a diferença entre os sexos se acentua no sentido da maior longevidade feminina. Esta maior sobrevivência está associada a múltiplos fatores de natureza biológica e social, destacando-se aqui o facto de que, por regra e ainda que os padrões se vão esbatendo, os homens têm profissões e comportamentos de maior risco e menos cuidado com a sua própria saúde.
O outro problema foi sublinhado pelo Relatório Gulbenkian de 2014, “Um Futuro para a Saúde”: “(…) os homens e as mulheres portugueses apenas têm, em média, respetivamente, 6 e 6,6 anos de vida saudável, depois dos 65 anos, ao passo que os noruegueses têm, respetivamente, 15,9 e 15,4”. Ou seja, um bom resultado esconde um problema grave. Vivemos, em média, até aos 81 anos mas os últimos dez anos de vida são acompanhados por problemas de saúde que nos roubam qualidade de vida. Que problemas de saúde são esses? Doenças crónicas de longa duração (mais de metade dos portugueses vivem com pelo menos uma destas doenças), com maior expressão para a diabetes, onde Portugal regista a mais elevada prevalência da Europa, com cerca de 14%; mas também todo um cortejo de outras condições clínicas. E quais são as consequências? Lê-se no mesmo Relatório, ainda a propósito da diabetes: “Os indivíduos com diabetes apresentam maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, tais como enfartes e acidentes vasculares cerebrais, se a doença não for diagnosticada ou se for mal tratada. Têm também riscos elevados de perda de visão, de amputação de pé ou de perna devido aos danos causados nos nervos ou nas vias circulatórias, e de falência renal, obrigando a diálise ou transplante”.
O que poderemos fazer para alterar esta situação é a pergunta natural. Não há receitas rápidas nem isoladas, mas, numa frase, precisamos de um grande programa de promoção da saúde que faça passar da retórica à prática um conjunto de intervenções intersectoriais e que permita a diminuição progressiva da doença evitável. Impõe-se, de imediato, criar um programa que permita libertar os 27% de crianças portuguesas que na semana passada o INE noticiou viverem em situação de privação material – sob pena de a terrível fatura de uma infância de carências, dramática para os próprios, nos chegar nos indicadores de saúde de 2050.
Na saúde, ainda mais do que em outras políticas públicas, é difícil atuar sobre as causas dos problemas e os decisores e gestores, reativamente, concentram a sua atuação nas consequências que fazem as aberturas dos telejornais: urgências entupidas, dificuldade dos doentes na marcação de consultas em muitos centros de saúde, hospitais confrontados com a pressão da procura de pessoas mais idosas, mais doentes e com níveis de utilização elevados (não é possível “dar alta” à doença chamada velhice).
Mas continuar a centrar (quase) toda a atenção política e técnica nos hospitais e em outros “centros de cura” de doenças vai fazer com que se eternize a diferença de quase 10 anos entre a esperança de vida com qualidade, aos 65 anos, de portugueses e noruegueses.