Escândalos que metam políticos e aviões à mistura são um clássico do jornalismo português. Em 1993 o Independente descobriu que o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva aceitou que uma conhecida marca de papa para bebés lhe pagasse parte de uma deslocação a Salzburgo para ir à ópera. Em 2016 a revista Sábado revelou que três membros do Governo de António Costa aceitaram bilhetes da Galp para ver uns jogos da selecção de futebol no Euro. E este fim-de-semana o Expresso descobriu que os deputados dos Açores e da Madeira cobram ao Estado português um pagamento duplo pelas viagens que semanalmente fazem entre continente e ilhas.
Muito resumidamente, o que o Expresso revela é que apesar de receberem do Estado cerca de 500 euros semanais para lhes pagar as deslocações, os deputados, com a honrosa excepção de Rubina Berardo, do PSD, valem-se de uma chico-espertice legal para acrescentar uns míseros euros às respectivas folhas de salário, exigindo um reembolso parcial do custo da viagem que o Estado já lhes pagou.
Os nomes dos chicos-espertos: Carlos César, Lara Martinho, João Azevedo Castro, Luís Vilhena, Carlos Pereira (PS), Paulo Neves, Berta Cabral, Sara Madruga, Carlos Costa Neves, António Ventura (PSD) e José Paulino Ascensão (BE). O deputado do Bloco de Esquerda, provavelmente na sequência de uma recomendação gentil de Catarina Martins, decidiu abandonar a Assembleia da República. Menos mal. E os restantes, continuarão a assobiar para o lado?
No PSD, Sara Madruga decidiu devolver o dinheiro. Sintomático e interessante, mas ainda assim poucochinho para um partido cujo líder tem conhecidos e propalados sonhos húmidos com banhos éticos. Rui Rio tem aqui uma grande oportunidade de acordar do estado de pré-mortandade política em que se encontra, interromper por um minuto o namorico com o Partido Socialista, arregaçar as mangas e empreender no PSD a limpeza de que tanto gosta de falar, mas que nem remotamente começou a aplicar – isto apesar dos vários casos e casinhos de ética duvidosa que têm minado a sua liderança.
No PS, o nome que à primeira vista mais impressiona é o de Carlos César, mas uma análise mais fina ao seu cadastro – perdão, currículo – político permite concluir que o presidente do partido e líder da respectiva bancada parlamentar é especialmente letrado na ciência do chico-espertismo, como o provam as notícias, nunca desmentidas, segundo as quais uma boa parte da sua família vive às custas do erário público.
Ainda era César presidente do Governo Regional dos Açores quando Luísa, a sua mulher, foi nomeada coordenadora dos Palácios da Presidência. O seu filho Francisco é deputado regional. Rafaela, a companheira de Francisco, foi, entre 2014 e 2016, chefe de gabinete da Secretária Regional Adjunta da Presidência para os Assuntos Parlamentares e é, desde Novembro de 2016, chefe de gabinete da Secretária Regional da Energia, Ambiente e Turismo, Marta Guerreiro. E a sua sobrinha, a jovem Inês, foi contratada aos 25 anos pela Gebalis – empresa municipal responsável pela gestão de bairros sociais – para técnica especializada de Estudos e Planeamento. Quando confrontado pelos jornalistas com todas estas “coincidências”, Carlos César respondeu que tudo foi feito dentro da legalidade. Disse o mesmo ao Expresso este fim-de-semana para explicar o que não tem explicação, esquecendo-se de que a política e o seu exercício vão muito para lá do que dizem as leis. Entre beber um copo de vinho com Aristóteles ou embebedar-se com Maquiavel, Carlos César tem escolhido frequentemente a companhia do segundo. Percebe-se: com Maquiavel a ética dificilmente consta do cardápio.