A edição nº 2661 (5 a 11 de Novembro de 2015) da revista francesa «L’OBS» inclui um dossier interessante (de capa) sobre a situação dos intelectuais na França de hoje. A ideia é mais ou menos a seguinte: há 50 anos, os pensadores franceses eram indivíduos da «academia», ou muito próximos dela, com formação prolongada na área da Filosofia ou nos seus satélites (Sartre, Bourdieu, Foucault e Deleuze terão sido os mais influentes). Nos anos 80, surgiu a inovação do «ensaio», mais tarde da simples «crónica» (como esta que escrevo agora), o que significou «democratizar», para não dizer «proletarizar», a reflexão filosófica dos intelectuais que reinaram até esse momento. Surgiram então os «filósofos-pop», com ampla cobertura nos media e intervenção quase permanente. Deste modo, e em primeiro lugar, o pensamento académico deu origem a um pensamento popular, quer dizer que os intermináveis textos de 500 páginas a complexificar um pensamento passaram a ser traduzidos numa linguagem clara e sintética. Esta consequência parece até ser positiva. No entanto, há uma segunda consequência, vista como negativa: a tarefa de um investigador universitário, com uma atitude «científica» (se é que tal se pode dizer a propósito da Filosofia), é precisamente desmontar os alicerces do «pensamento comum» e identificar o que se esconde detrás da sua perigosa evidência. Para este trabalho, é necessário muito tempo, muito estudo e muita investigação, coisa que os ensaístas da moda e os cronistas não têm. Até porque, na maior parte dos casos, têm outras profissões. Fala-se assim – para terminar – do aparecimento de um quase insuperável «fosso entre o trabalho teórico e a agitação mediática» e, a médio prazo, do desaparecimento dos «intelectuais».
Que pensar disto?
Começo por recorrer aos dicionários. Tanto no da Academia das Ciências como no «Robert», a definição é a mesma: intelectual é uma pessoa que se dedica às questões do espírito, do entendimento. Há, assim, duas dicotomias a considerar: a que opõe o intelectual ao materialista (um preocupa-se com o espírito, o outro com a matéria) e a que opõe o trabalhador intelectual ao trabalhador manual. Em ambos os casos, não me parece que os intelectuais estejam em risco de extinção.
Mas não é a estes intelectuais que a revista, verdadeiramente, se refere; mas aos «gurus» do pensar, aos que influenciaram gerações e conduziram ao Maio de 68. E, vai daí, eu pergunto: em que medida Bourdieu, Deleuze, Foucault, Barthes ou Derrida foram determinantes fora da sua área disciplinar? Zero. O que significa que estamos, na realidade, a falar do verdadeiro guru: Sartre. E que penso eu?
O Sartre da Filosofia foi enorme. Apesar de muito dependente de Nietzsche, seu mentor real. O Sartre da literatura foi grande. Principalmente, na minha opinião, como dramaturgo. O Sartre «mundano», ou engagé, foi uma tragédia. Sobretudo no seu incompreensível apoio à Rússia soviética. Fez muito mal aos jovens inocentes que, na altura, incendiou. Por isso, quando discutimos Sartre, é preciso esclarecer de que Sartre falamos. Quando se compara, acho que levianamente, Sartre e Camus, ou mesmo Sartre e Aron, está a cometer-se um erro lógico: há, pelo menos dois sartres e um só Camus ou Aron. Pelo que é errado comparar estes dois últimos com uma «pseudo-média» do primeiro. Porque Sartre foi sublime num plano (deixando os competidores a milhas) e uma desgraça no outro.
Tudo isto para concluir que os «filósofos-pop» e os ensaístas fazem, hoje, muito mais pelo cidadão comum – ajudando-o a pensar e, sobretudo, permitindo-lhe estar informado a respeito dos infinitos modos de pensar – do que os pesos-pesados dos anos 60. Passamos a vida a criticar a Internet e a superficialidade que trouxe à compreensão do mundo, mas ela é como o Sartre: junta a desgraça do espírito dondoca das redes sociais à sublime massa de informação, sobre ideias e sobre estatísticas, que temos hoje ao alcance de um clic. Por isso, estou grato ao que posso chamar, não «filósofos-pop» (por a designação ser pejorativa), mas «filósofos-pordata» (penso que tenho direito a esta liberdade), que colaboram para que o conhecimento das estatísticas e a informação/reflexão sobre temas filosóficos ou do quotidiano sejam acessíveis a todos os cidadãos, de modo a estes poderem pensar por si, em liberdade, e formar a sua própria opinião. Os franceses gostam de gurus que criam escola e seguidores. Eu gosto destes agentes que, com ideias ou números, ajudam cada um de nós a desenvolver a nossa própria, e única (porque diferente da dos outros), «cultura individual». Estou convencido de que não vão extinguir os intelectuais. Antes poderão permitir que todos o sejamos um dia.