Quando ficou concluída a 6 de agosto de 1966, a Ponte 25 de Abril (então “Salazar”) reconfigurou a região metropolitana de Lisboa. As terras da Caparica, o resto do concelho de Almada, a Moita, Palmela, Seixal e Sesimbra nunca mais foram os mesmos. Em 50 anos, neste caso contados entre os recenseamentos de 1960 e de 2011, a população destes cinco municípios mais do que triplicou – passou de 160 mil para mais de meio milhão de habitantes. No mesmo período, a população portuguesa como um todo aumentou uns meros 19%: somos hoje 10,5 milhões e em 1970 éramos pouco menos de 9 milhões.
A explosão demográfica da margem sul do Tejo foi claramente induzida pela construção da infraestrutura desejada desde o início do século XX. Sem regras urbanísticas ou com regras frouxas e falta de capacidade política local para as implementar, cresceu no caos. Muitas das estradas, durante anos, foram apenas e só de terra batida. Às novas urbes, muitas clandestinas, faltavam saneamento básico, passeios para os peões, estacionamento para os carros, transportes coletivos, serviços públicos, escolas, hospitais, centros de saúde, serviços de correios, áreas qualificadas de consumo.
Nos anos que se seguiram, quem ocupou os cargos políticos e administrativos com poder para domar a área metropolitana continuou a cometer os erros que desfiguraram a margem sul. A construção da Ponte Vasco da Gama, que abriu frentes urbanísticas a sul e a norte, nas margens da área metropolitana, só veio piorar as coisas em vez de tentar remendar os erros cometidos no passado. Entregando grande parte do financiamento das autarquias às taxas e impostos gerados pela construção civil, sem um poder metropolitano legitimado ou um equivalente administrativo capaz e capacitado, o resto da região cresceu aos supetões.
Hoje, quando se sobrevoa a grande Lisboa, percebe-se bem as consequências desses atos sem rumo, desse urbanismo sem planeamento, desse desnorte político que sequestrou a área metropolitana da capital. Os movimentos pendulares de e para cidade estendem-se por um raio de cerca de 40 quilómetros, de Sintra a Santarém, de Torres Vedras a Setúbal. Dentro deste enorme círculo existem bolhas de alojamentos, de terrenos sem uso, um enorme estuário, rios sem margens, margens sem rio. Em 3000 quilómetros quadrados da área metropolitana de Lisboa reside uma população de cerca de 1,5 milhões de pessoas; em Londres, numa área com metade do tamanho, vivem seis vezes mais.
As consequências são incalculáveis. Quando o metropolitano de Lisboa planeia uma nova extensão, o custo do seu uso para o erário público é desproporcional porque os seus utentes são apenas uma fração dos que usam equipamentos semelhantes em Londres. O mesmo acontece com as linhas de comboio, com as condutas de esgotos, com o abastecimento de água, com o transporte ferroviário, com as universidades, com os centros hospitalares. A área metropolitana de Lisboa não é uma cidade, é uma confederação de vilas e de aldeias sem ligações entre si: para se viajar de comboio entre o Cacém (81 mil habitantes) e Oeiras (172 mil), que distam 12 quilómetros, é necessário apanhar o comboio até Lisboa, atravessar a Baixa a pé ou de metro, para apanhar um novo comboio, cerca de 45 quilómetros de viagem, mais de uma hora de transportes públicos, incontáveis momentos de mal-estar, de desperdício, de improdutividade.
Enquanto tudo isto se passou, Lisboa, a cidade, perdeu 250 mil habitantes, cerca de um terço dos 800 mil que residiam na capital no início da década de 1960. Temos uma velha senhora reumática, aristocrática e gasta, rodeada de uma federação de vilas e de aldeias que não conseguem comunicar entre si. Não é uma metrópole, é apenas um aborto, consequência de uma enorme falta de planificação, de visão, numa palavra, de política.
Se vale a pena celebrar o aniversário da ponte, que seja com os olhos postos neste triste espetáculo.