Quando os acordos à esquerda foram assinados, às escondidas das câmaras de televisão e das objetivas dos fotógrafos, na Assembleia da República, António Costa apresentou-os como um guião para uma longa-metragem. Quatro anos, uma legislatura, apesar dos discursos contraditórios dos seus compagnons de route, foi o que ficou no ouvido dos cidadãos. Era o possível, melhor do que o impossível de Passos Coelho e Paulo Portas. Cavaco deu-lhe posse.
Contudo, o realizador António Costa parece ter-se enganado na duração da história. O que nos foi vendido como uma narrativa de quatro anos parece não ter dado para mais de seis meses. O aumento do salário mínimo para 600 euros foi negociado e está aí um calendário para a legislatura. As concessões dos transportes públicos foram revertidas. A tarifa social da eletricidade avançou. A reposição dos salários na função pública progride a 25% por trimestre. Os quatro feriados anulados foram resgatados ao purgatório em que se encontravam e foram repostos.
O governo de António Costa, e o Parlamento, obviamente em conúbio, gastaram em um semestre um programa que devia durar oito. É como ver a série toda da Guerra dos Tronos de enfiada e depois ficar a chuchar no dedo porque não há mais.
O que resta, é pouco para entreter os 122 deputados da geringonça. É preciso assegurar a progressividade do IRS, dilatando o número de escalões que Vítor Gaspar mandou encolher. E garantir que o IVA para o setor da restauração regressará aos 23%. Os grupos de trabalho criados pelos socialistas e pelos bloquistas poderão trazer algum drama. E mais uns pozinhos aqui e acolá, nada de muito substancial. Imagine um filme do 007 compactado em 10 minutos: tanta pancadaria na Direita, tanto flirt, tantas cenas tórridas entre as engrenagens da geringonça, tanto Costa, my name is António Costa, e o filme acaba pouco depois de ter começado.
A geringonça tem, portanto, um problema. Precisa de programa para os próximos meses. Senão, correm o risco de se tornar deputados à jorna. Não basta continuar a tirar o tapete às propostas surrealistas de Assunção Cristas para a Natalidade. Ou a massacrar Passos Coelho de cada vez que o líder do PSD se ergue da bancada. Costa, Catarina e Jerónimo precisam de mais argumento e argumentos para a sua história.
No congresso do PS, que amanhã começa, pouco se promete. Na Convenção do Bloco de Esquerda não creio que esteja agendada nenhum workshop de escrita criativa para insuflar à geringonça o suspense de que precisa. E do encontro do PCP, em dezembro, aguarda-se pouco mais do que um bolorento Páteo das Cantigas.
Por favor, telefonem para Hollywood: António Costa precisa de um guionista.