A hipótese em que ninguém pensou mas de que eu me lembrei, pode ser a solução para a formação de governo em Portugal.
Em vez das negociações è esquerda, ou apesar delas, e das birras à direita, que têm entretido o povo cansado das telenovelas brasileiras, Costa devia propor ser ele a formar governo. Sem ninguém, sozinho. Verdade, é um pouco bizarro, porque António Costa perdeu as eleições e a coligação ganhou-as. Em tempos de agruras, contudo, não se limpam armas.
As vantagens seriam muitas. António Costa podia piscar o olho, à vez, à direita e à esquerda. Por exemplo, com a coligação poderia negociar o pacote da descida da TSU para as empresas e com a esquerda talvez conseguisse apoio para a descida da TSU dos trabalhadores. O suporte da direita permitir-lhe-ia fazer passar o regime conciliatório de despedimentos, enquanto o da esquerda facilitaria a revisão célere dos escalões do IRS, que, como Costa matraqueou exaustivamente, asfixia a classe média. Com a direita cortava um bocadinho nas pensões, com o guarda-chuva das condições de recurso, e com a esquerda acelerava o salário mínimo. Em bolandas, encostando a cada um dos lados do hemiciclo, à vez, Costa conseguiria fazer chegar a água ao seu programa.
É mais exequível o programa de governo do PS porque os outros estão nas antípodas e os extremos, ao contrário do que diz a sabedoria popular, não se tocam. O segredo para uma governação deste tipo, está bem de ver, era garantir que a esquerda e a direita nunca se entenderiam. Que Portas nunca iria tomar chá com Jerónimo e que Passos não ia ao Bairro Alto beber um copo com Catarina. E parece plausível que tal acontecesse. O ónus, palavra de que António Costa tanto gosta, das escolhas teria de recair sobre os extremos do hemiciclo. Quando aumentasse o salário mínimo, teria de atirar a direita, descontente, sobre a esquerda, que o fizera refém. Quando cortasse a TSU, atiçava a esquerda contra a direita, que a tal o obrigara. Para governar, afinal, são necessárias cedências e às vezes tem de correr sangue, de preferência no campo dos adversários.
O PS, que gosta de se considerar um partido de esquerda, consumaria a sua outra pulsão política, colocando-se em definitivo ao centro, qualquer que fosse o dia da semana. E empurrava com a barriga os outros, para as margens. Até seriam desnecessárias eleições em que entrasse o PS, daqui em diante. Entronizado, o Partido Socialista seria uma espécie de monarca do regime com assento garantido na Assembleia e sempre um pé no governo. Costa – ou outro, no PS – passaria a ser sempre primeiro-ministro, devido à sua posição central, uma média-moda-mediana da política portuguesa. As votações nos outros partidos apenas determinariam o sentido e a extensão das pontes que o PS teria de construir, para governar. Era também a quadratura do círculo, muitas vezes tentada mas nunca tão bem resolvida, entre a monarquia e a república.
É verdade que isto não é muito democrático, no sentido em que eu aprendi na escola e me acostumei a entender a Democracia. Mas o mundo é composto de mudança, como dizia o poeta e o Heráclito de Éfeso. Que se lixe o voto, venha o Costa.