Um amigo de Roterdão esteve de visita a Portugal durante os últimos dias. Decidiu vir de carro e atravessou a Bélgica, a França, Espanha e Portugal para visitar Lisboa. Quando estava próximo de Valladolid mandou-me uma mensagem, espantado, porque tinha entrado num boteco pela manhã e tomado um pequeno almoço por pouco mais de dois euros. No seu país, tal custaria mais do dobro.
Enquanto o meu amigo holandês se espantava pelos preços praticados na restauração espanhola (ideia que confirmou com o preço das refeições nos restaurantes portugueses), eu lia no New York Times sobre a luta dos trabalhadores norte-americanos da restauração pelo aumento do salário mínimo. A reivindicação é que passem a receber por hora nunca menos do que 15 dólares, o equivalente a 13,7 euros ao câmbio desta sexta-feira.
A luta dos trabalhadores nova iorquinos confinou-se primeiro aos restaurantes de fast food mas alargou-se entretanto a outros setores e a outras cidades. O foco do artigo do New York Times é o modo como o movimento de contestação está a contaminar a campanha eleitoral. A maioria dos candidatos às primárias democratas estão com os contestatários enquanto os republicanos se colocam no outro lado da barricada. Andrew Cuomo, o democrata que governa o Estado de Nova Iorque, é um dos apoiantes do movimento Fight for 15. Segundo ele, enquanto a MCdonald’s tem milhares de milhões de lucro, os seus trabalhadores no Estado recebem 700 milhões de apoios sociais todos os anos porque os salários não são suficientes para os sustentar.
Os académicos tentam traçar uma genealogia do movimento, que muitos relacionam com o Occupy Wall Street e com a preocupação cada vez maior dos eleitores com as desigualdades sociais. Mas os empresários argumentam que os aumentos salariais vão ter um impacto brutal sobre os trabalhadores menos qualificados. Para fazer face ao aumento de custos, muitos planeiam reduzir postos ou horas de trabalho. Com o aumento dos salários, a automação dos postos de venda também será promovida. E, acrescento, eu, uma subida do salário mínimo é sempre um incentivo à não qualificação, pois aumenta os salários na base da pirâmide social: ora este é o lugar ocupado pelos trabalhadores que passara menos anos na escola e que menos investiram, qualquer que fosse a razão, na melhoria das suas qualificações.
Voltemos ao meu amigo holandês. Argumentava ele que em Portugal há uma cultura do convívio e uma menor preocupação com o lucro do que no seu país de origem. Era aí que ele radicava as explicações para os preços baixos da restauração. Não o contrariei, tínhamos outras coisas de que falar. Mas sabemos que os preços baixos da restauração se devem, entre nós, a salários muito baixos. E que como tal continuam, apesar do ajuste do salário mínimo no pós-troika.
Por isso é interessante a proposta de Mário Centeno, o académico e quadro do Banco de Portugal que António Costa convidou para coordenar o programa macroeconómico dos socialistas. Ao reduzir a Taxa Social Única para os trabalhadores e para o empresários, aumentará o rendimento disponível para os trabalhadores sem prejudicar a competitividade, que sabemos ser baixa, em Portugal. Tem muito de experimental, bem sei, e as coisas podem correr pior (podem sempre, não é?) do que o previsto. Contudo, evita os efeitos nefastos do aumento do salário mínimo mas garante um aumento do rendimento para os mais pobres. É um pedrada no charco e talvez venha a ser a quadratura do círculo económica de que precisamos…