Há famílias que governam a mesma empresa ou o mesmo país há vários séculos. Filhos de filhos de filhos; pais de pais de pais. É o clube dos tetra, dos penta, dos junior, das galerias de retratos nos corredores do conselho de administração ou no museu nacional. Apesar de as democracias parlamentares terem estendido o seu domínio ao mundo e de o capitalismo ter consagrado o domínio dos mais aptos, nunca tantos foram governados por tão poucos. Ainda vivemos no domínio das famílias, como mostra o excelente trabalho publicado há três semanas pela revista The Economist: Dynasties, The Endurin Power of Families in Business and Politics.
Todos temos uma família. Só que algumas famílias são mais iguais do que as outras. Algumas triunfam durante muitos anos. Esse sucesso, como evidencia parte do trabalho da revista inglesa – ela própria há várias gerações propriedade da mesma família – nem sempre se deve às melhores razões. Ou seja, o domínio empresarial de muitos mantém-se apenas porque os que os antecederam eram ricos. Até se dispensam os episódios caricatos de parcialidade nas nomeações ou as birras dos herdeiros – como a da coreana que desviou a aeronave da companhia aérea do pai estacionada no aeroporto de Nova Iorque para despedir a hospedeira que não a serviu de acordo com as suas exigências – para facilmente se constatar que a regra no mundo da sucessão familiar não é a do mérito.
Há contudo famílias poderosas, no mundo da política ou dos negócios, que preparam os seus descendentes para serem os melhores. E há cada vez mais ricos que evitam mimar os seus descendentes e minar-lhes a vida, deixando a sua fortuna a causas próprias que servem a comunidade. Em Portugal, o direito de família não permite, contudo, deserdar a prole. Somos dos países que assim mais perpetuam a “má” desigualdade, a que é gerada por razões exógenas ao indivíduo: transmitimos a pobreza ou a riqueza aos que nos sucedem e chamamos a esse fardo “fado”.
Quando algumas das grandes fortunas começaram, e algumas mantêm-se até hoje, os seus pioneiros eram ostracizados. Pertenciam a grupos que, por causa das suas convicções religiosas ou das suas práticas culturais, não eram aceites pela comunidade em que se inseriam. Por isso pediram emprestado aos que lhes eram mais próximos, àqueles que neles confiavam. E usaram para se expandirem os que lhes eram mais próximos, nos quais confiavam. A origem de algumas dinastias está ligada ao segregacionismo cultural e a uma estratégia de sobrevivência face ao grupo dos mais poderosos: alguns ricos de hoje foram-no porque não podiam ser outra coisa caso quisessem sobreviver. Contudo, se em parte do mundo atual essa cultura de máfia tribal ainda persiste, hoje menos do que nunca será justificada.
O mérito devia ser a bitola para se avaliar um indivíduo, independentemente dos pergaminhos mais ou menos aristocráticos da sua proveniência. Para que tal ocorra, o Estado devia assegurar condições de partida iguais a todos. E para que tal seja possível, em Portugal, é necessário reinstituir, com coragem e sobriedade, os impostos sobre os legados. Só assim teremos uma sociedade mais justa, na qual se vence pelo mérito. Em que os que já foram não determinam os que ainda não foram. Em que o futuro não é fado do passado.
PS. Esta semana, eu e o Luís Valente Rosa escrevemos sobre Dinastias.