Comecei a tomar antidepressivos por causa dos meus amigos. Vou explicar, com a vossa permissão. Reuníamo-nos infalivelmente às sextas-feiras. Todos vindos do mesmo tempo épico de luta contra a injustiça, todos companheiros da mesma viagem. As conversas eram uma espécie de âncora que nos amarrava a um tempo em que fôramos felizes. Aqueles encontros eram a nossa ilha, o território em que nos embriagávamos das nossas memórias. Quando o presente é vazio, todo o passado se torna glorioso.
Na verdade, eu quase não falava. Os outros imputavam esse meu alheamento à minha incurável timidez. Essa era a minha especialidade: acalentar as pausas. Mas era bem mais do que isso. Eu ficava excluído porque o assunto daquelas cavaqueiras era sempre o mesmo: a depressão. Falava-se o tempo inteiro da doença e dos remédios que todos ali tomavam.