Há umas semanas, após visitar o pagode de Pindaya, no centro da Birmânia, meti-me à fala com um velho professor chinês. O pagode, construído numa gruta natural, dá guarida a mais de 8 mil estatuetas de Buda. Para além da atração turística, este templo é um lugar de peregrinação muito venerado. Eu, simples mortal vindo de uma cultura estranha, estava lá por mera curiosidade. O meu interlocutor, catedrático da universidade de Chengdu, na China profunda, viera como estudioso do budismo.
Logo no início da conversa, aprendi a primeira lição. Para ele, eu era um europeu, e ponto final. Quando me apresentei como português, ficou a olhar para mim, como se estivesse à procura do sentido da minha maneira de me identificar. O silêncio, que me pareceu interminável, foi finalmente quebrado quando retorquiu que sim, claro, europeu. Essa era, no seu entender, a identidade que contava, que tinha algum relevo no seu país de origem. Português, alemão ou sueco, eram aos seus olhos particularismos que só teriam significado no seio da Europa. A China olha para nós, explicou-me, como um todo. E acrescentou que quando se pergunta a um cidadão norte-americano a sua nacionalidade, a resposta não é, sou do Arkansas ou do Mississípi. Tentei então explicar-lhe que, no nosso canto do mundo, ainda não conseguimos construir uma visão identitária que ultrapasse as fronteiras nacionais. Antes pelo contrário, a tendência vai, de novo, no sentido de erigir trincheiras. Barreiras mentais e políticas, que são as que mais afetam os nossos comportamentos e maneiras de ver.
Para tentar salvar o bom nome da família europeia, lembrei que o produto interno bruto da UE é cerca de 1,8 vezes maior que o da China e que o nosso rendimento per capita equivale a cinco vezes o do seu país. Respondeu-me com uma segunda lição: o futuro deve ser pensado de outra maneira. A prosperidade e o bem-estar dos povos não podem ser medidos apenas em termos de consumo e de riqueza individual. Os padrões de vida europeus são insustentáveis a prazo. Com 1355 milhões de habitantes, que aconteceria às metrópoles, ao meio ambiente e aos recursos naturais, se a ambição política chinesa fosse a de atingir para a sua população os níveis de consumo que se tornaram um hábito entre nós?
E, nessa altura, surgiu a terceira lição: a política, seja ela internacional ou doméstica, raramente é simples ou linear. A ambiguidade e as contradições são frequentes. A política faz-se muito na base de linhas sinuosas. Assim, o meu interlocutor acabou por reconhecer que o frenesim consumista europeu tem afinal um efeito positivo no desenvolvimento da China. A balança comercial entre os dois lados é francamente favorável aos chineses: nos anos recentes, exportámos à volta de 180 mil milhões de euros para a China e importámos 290 mil milhões. Mais. A China quer aproveitar as comemorações dos quarenta anos de relacionamento com a UE, que agora estão a ser festejados, para aprofundar ainda mais o comércio. Ou seja, quer exportar e investir mais na Europa.
Ora, nisto de relações entre estados, tem que haver reciprocidade e normas aceites por ambos os lados. Por exemplo, os obstáculos aos investimentos europeus, por parte da China, têm que cessar. Foi essa a pequena nota que acabei por deixar na mente do professor. Um remate modesto, mas justo e, por isso, de peso, como diria Buda.