Assistimos hoje a um processo de marginalização política das Nações Unidas. A tendência é sobretudo visível na área da resolução de conflitos e da manutenção da paz e agravou-se na sequência da crise na Líbia, em 2011.
A coligação de nações que fez cair Muammar Kadhafi foi acusada, por certos estados membros, incluindo a Rússia, de ter ido além do mandato aprovado pelo Conselho de Segurança, que tinha como legitimação principal a proteção da população civil.
A coligação teria, antes sim, aproveitado a legitimidade dada pelo Conselho para levar a cabo um exercício de força militar e dar asas à inclinação moralizadora que anima alguns dos principais países ocidentais.
A minha opinião sobre a campanha contra Kadhafi é outra. Considero a intervenção na Líbia como um exemplo bem ilustrativo do que acontece quando se combina uma estratégia política confusa com a utilização de um poder militar altamente eficiente.
O que pareceu ser uma vitória foi apenas um momento de regozijo fugaz, com um poderoso efeito de bumerangue.
Mas, independentemente do mérito ou da desadequação da crítica russa e de outros, a verdade é que a questão líbia introduziu uma linha de fratura no Conselho.
O resultado está à vista: quando se trata das grandes disputas, com impacto regional ou internacional, o Conselho de Segurança fica paralisado. Temos assim um órgão fundamental para paz e a segurança mundiais que, tal como durante a Guerra Fria, não funciona, a não ser quando se trata de problemas de natureza local e de importância global reduzida, como nos casos do Mali ou da República Centro-Africana.
Funcionar apenas para os conflitos de menor peso é ficar muito aquém das suas responsabilidades.
A ineficiência ao nível do Conselho de Segurança levou por seu turno ao enfraquecimento do secretariado das Nações Unidas. O Secretário-geral e a sua equipa ficaram sem saber qual o pé de dança que devem seguir.
Têm-se refugiado, por isso, numa atitude tímida, ao vento das oportunidades e pouco criativa. Não propõem nada que possa contrariar a maneira de ver das grandes potências, os cinco países com direito de veto. Em consequência, a liderança da organização deixou cair os princípios basilares que sempre orientaram a doutrina das operações de manutenção da paz. Mais, não ousa apresentar qualquer tipo de proposta ou posição sobre os temas mais complexos da atualidade, como as migrações através do Mediterrâneo, a decisão unilateral da Arábia Saudita de utilizar meios militares no Iémen, as violações sistemáticas do direito internacional na Ucrânia ou as disputas marítimas entre a China e a sua vizinhança.
A voz do secretariado, que deveria ser a expressão corajosa da legalidade internacional, transformouse num murmúrio que mal se ouve.
O enfraquecimento da ONU deve deixar-nos preocupados.
A organização foi criada para prevenir ou permitir a resolução pacífica dos conflitos. Vivemos num mundo instável e perigoso.
Basta pensar no novo tipo de desafios assimétricos, provocados por redes violentas de fanáticos e de criminosos, na capacidade destrutiva dos novos armamentos e dos ataques cibernéticos, ou ainda na rapidez com que as crises se complicam. Perante isto, a conclusão só pode ser que o mundo de hoje precisa de um sistema internacional de paz renovado, credível e audaz.