Diz a lenda que em 1140, quando Portugal ainda não era um país livre e independente, mas a cidade do Porto já era gente, uns pescadores que andavam à pesca do sável, na margem esquerda do rio Douro, junto a um pequeno cais que então existia no sopé de um monte chamado de Quebrantões, a atual serra do Pilar, ao recolherem a rede veio envolvida nela uma imagem de Jesus Cristo crucificado. Na fralda do referido monte havia uma pequena ermida da invocação de S. Nicolau. Foi para ela que os pescadores levaram a imagem que logo ali, dizem velhas crónicas monásticas, “começou a resplandecer com muitos milagres…”
Para os habitantes do Porto a imagem, que estava além, na outra margem, passou a ser conhecida pelo “Senhor d’Além” a quem os moradores da cidade passaram a recorrer, pedindo proteção, em situações de grandes calamidades. Por ocasiões de grandes cheias no Douro; prolongados invernos; longas estiagens; guerras ou epidemias, a gente do Porto ia buscar a imagem do Senhor crucificado, ao lado de lá, e trazia – a em procissão, para a catedral onde se faziam preces em que participava o cabido, isto é o conjunto dos cónegos que, findas as cerimónias, acompanhavam o Senhor d’Além, sempre em procissão, de volta à sua capelinha no monte de Quebrantões.
A travessia do rio era feita em barcas que haviam sido previamente engalanadas para o efeito. Mas um dia, em que a imagem estava na Sé, aconteceu o inesperado: os cónegos reagiram contra o velho costume de terem de a acompanhar de regresso à ermida de S. Nicolau e, não só não a acompanharam com o se recusaram a deixá-la sair da catedral. A Câmara do Porto meteu-se no assunto e pediu ao cabido que repensasse a sua atitude dos cónegos. E sabem o que responderam estes? Que só levariam a imagem para o outro lado do rio “ quando muito bem lhes parecesse…”
Esta posição dos cónegos deu origem a um litigio entre a Câmara, a irmandade do Senhor d’Além e os cónegos da Sé do Porto que durou anos e nunca teve resolução porque a imagem do Senhor crucificado nunca foi devolvida e ainda continua exposta na sala do cartório do cabido.