Quando a parte nova do Hospital da Santo António foi construída, na cerca do primitivo edifício, houve a louvável preocupação de preservar a capelinha do Senhor dos Aflitos que, no século XIX, substituíra um antigo cruzeiro que ali fora implantado, cem anos antes, quando nos terrenos circundantes se enterravam os cadáveres dos facínoras que morriam na forca. Chamavam ao sítio o Cerro dos Enforcados.
A ermidinha escapou ao modernismo, resistiu à civilização mas, hoje, muito pouco gente repara nela. É certo que não tem grande valor arquitetónico mas tem passado e a ela anda ligada uma história que ressuma um certo lirismo. É esta: Luis Pinto de Sousa Pereira de Meneses, último representante, dizem os livros de linhagens, da nobre casa do Cutelo, em Miomães, no concelho de Resende, adoeceu e foi internado num dos pavilhões do Hospital de Santo António. Isto aconteceu por meados do século XIX quando, na cerca daquele hospital, havia dois pavilhões, um de primeira outro de segunda classe, para quem quisesse alguma privacidade e, naturalmente, tivesse dinheiro para pagar a estadia. O que era o caso do nosso fidalgo que foi admitido no pavilhão de primeira.
De uma das janelas do seu quarto avistava a capela a do Senhor dos Aflitos e foi a este que fez uma singular promessa: se saísse do hospital completamente curado daria ao Senhor dos Aflitos o dinheiro equivalente ao seu peso em prata. E o fidalgo saiu do hospital curado. Não sabemos a quem atribuir o mérito da cura. Se aos médicos, se à interceção no caso do Senhor dos Aflitos. Mas de uma coisa temos a certeza: o tal fidalgo de Miomães cumpriu a promessa. Mas pagou em prestações.
Quando se foi pesar, logo após a saída do Hospital, verificou, naturalmente constrangido, que o seu peso excedia, muito, o previsto. O valor da promessa subiu assustadoramente e o Luis Pinto de Sousa não tinha disponível o dinheiro suficiente para pagar a promessa. Mas não havia problema. No dia 27 de Maio de 1872, no cartório do tabelião Francisco Pereira Pinto, perante a Santa Casa da Misericórdia do Porto, que administrava o hospital e zelava pelo culto na capela do Senhor dos Aflitos, constituiu-se devedor da quantia de 1 996$800 reis, importância em que foi avaliado o seu peso em prata. A divida não foi saldada de uma só vez. Entre o fidalgo e a Santa casa da Misericórdia do Porto foi estabelecido um acordo segundo o qual o próprio Luis Pinto de Sousa ou os seus herdeiros se comprometiam a liquidar a divida da promessa no prazo de um ano mas, claro, acrescida dos respetivos juros, pois então. E tudo foi pago pelo próprio fidalgo que teve muito tempo para o fazer porque só morreu em 1870.