O cancro é a principal causa de morte em pessoas com menos de 70 anos em 27 países europeus, incluindo a Comunidade Europeia, a Noruega e a Islândia. Em 2022 o número de novos casos de cancro na Europa ultrapassou os 3,4 milhões, a par de cerca de 1,6 milhões de mortes resultantes de cancro. Estima-se que estes números da incidência e da mortalidade por cancro aumentem de forma gradual até 2040.
Um estudo recente promovido pela Comissão Europeia e realizado pela Agência Internacional da Investigação do Cancro (IARC) em colaboração com o Centro Médico Universitário de Roterdão (Erasmus MC) revelou, para além da estatística descrita anteriormente, a existência de desigualdades socioeconómicas que impactam quer a incidência quer a mortalidade causada por cancro. Este estudo, que infelizmente não incluiu Portugal nem a Alemanha (desconhecemos as razões), foi realizado em países distribuídos geograficamente pelo continente europeu, a saber: Norte (Suécia, Finlândia, Noruega, Dinamarca), de Leste/Bálticos (Estónia, Hungria, Lituânia, Eslovénia, Polónia e República Checa) e do Oeste e Sul (França, Itália, Espanha, Bélgica e Áustria).
Um menor nível educacional, ou seja, grupos socioeconómicos mais desfavorecidos, se correlaciona fortemente com maior incidência de certos cancros e uma maior mortalidade associada a todos os cancros
As principais conclusões do estudo indicam que um menor nível educacional, ou seja, grupos socioeconómicos mais desfavorecidos, se correlaciona fortemente com maior incidência de certos cancros e uma maior mortalidade associada a todos os cancros. Estes dados são observados principalmente nos países dos grupos do Norte e do Leste Europeu, onde um menor nível educacional é indicativo de incidência de vários tipos de cancro e maior mortalidade associada (esta correlação é especialmente evidente nas mulheres nos países do Norte e do Leste europeu, ao passo que nos homens essa relação é observada essencialmente nos países de Leste).
É importante saber que estas desigualdades se verificam para quaisquer tipos de cancro. A diferença na incidência geral de todos os cancros chega a ser mais do dobro no grupo socioeconómico mais desfavorecido, o que é revelador da importância dos dados do estudo.
No estudo, maior foco é dado aos cancros que se pode prevenir/evitar. Um caso paradigmático é o cancro do pulmão, onde a maior incidência e mortalidade se verifica por maior exposição ao principal fator de risco e não a diferenças no acesso a diagnóstico ou tratamentos adequados. Os grupos socioeconómicos com menor nível educacional habitualmente consomem mais tabaco e, consequentemente, apresentam maior incidência e maior mortalidade. Isto verifica-se em homens e mulheres.
No caso do cancro do colo do útero, os rastreios, que permitem detetar lesões pré-malignas que podem ser removidas ou tratadas, evitando o aparecimento de cancro, são extraordinariamente eficazes na redução da incidência e consequentemente da mortalidade associada. Para este caso de cancro em particular há que referir a importância do acesso generalizado à vacinação contra o vírus do papiloma humano (hpv), com eficácia comprovada na redução da incidência. Não surpreende, assim, que países onde o rastreio e a vacinação contra o hpv apresentem uma boa cobertura populacional apresentem menor incidência e menor desigualdade entre os diferentes grupos socioeconómicos (são bons exemplos destas práticas a Finlândia e Itália, que apresentam menor mortalidade e menor desigualdade).
A este estudo promovido pela Comissão Europeia, poderíamos acrescentar dados recentemente divulgados pela Associação Americana de Investigação do Cancro (AACR), essencialmente confirmando a correlação encontrada nas populações europeias entre níveis socioeconómicos baixos, maior incidência de cancro e maior mortalidade associada. Os dados americanos detalham ainda a existência de desigualdades raciais (entre grupos étnicos) no acesso a programas de rastreio e a tratamentos inovadores (este último dado resulta da menor inclusão de determinados grupos étnicos em ensaios com novos fármacos), bem como a maior incidência de certos cancros em pessoas de determinadas etnias.
O acesso a rastreios, diagnósticos e tratamentos adequados para um determinado cancro deveria ser universal, para garantir o menor sofrimento e a melhor solução a qualquer pessoa. Ao identificarmos desigualdades podemos concentrar a nossa atenção e o nosso esforço para a sua resolução, ao mesmo tempo que podemos elaborar questões científicas que visem colmatar áreas de prevenção, investigação e tratamentos que estejam menos exploradas.
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