Portugal volta ao pesadelo vivido pelos navegadores quando se encontraram no cabo das tormentas. À medida que os anos avançam, os bancos e seguradoras do País veem-se encruzilhados entre a tradição e a inovação, lutando para manobrar o poder transformador da tecnologia de marketing (MarTech) num mundo maioritariamente digital.
Ao entrarmos em 2025, o setor financeiro global está a testemunhar uma onda sem precedentes na adoção de MarTech. Inteligência Artificial (IA), machine learning e análise de dados já não são conceitos futuristas, mas ferramentas essenciais para a sobrevivência e crescimento do mercado. As instituições financeiras portuguesas, no entanto, encontram-se em diferentes estágios desta transformação digital. Enquanto os grandes bancos avançam a passos largos na adoção de MarTech, as instituições mais pequenas e muitas seguradoras lutam para acompanhar o ritmo. Esta disparidade está a criar um setor financeiro a duas velocidades que poderá ter implicações a longo prazo no panorama económico nacional, como se tivéssemos metade do País a navegar em caravelas e a outra metade em submarinos nucleares. Estes silos aumentam, em grande parte, pela falta de conhecimento do mercado, das experiência dos clientes e sobretudo das necessidades de adaptação com criação de novos serviços e da melhoria da operação, tornando os processos mais ágeis.
Não podemos ser naifs e não afirmar que a jornada em direção à adoção de MarTech no setor financeiro português está repleta de desafios. Basta conhecer minimamente o setor para saber que a confusa infraestrutura de IT é praticamente uma marca registada da maioria dos bancos a operar em Portugal. Este tópico representa um obstáculo significativo, pois sistemas obsoletos, profundamente enraizados nas operações diárias, resistem à integração de soluções MarTech modernas, criando uma inércia tecnológica difícil de superar. É como se tentássemos instalar um motor de um cruzeiro num barco à vela – pode parecer uma ideia brilhante, mas a execução é, no mínimo, complicada e improdutiva.
Além disso, o panorama demográfico único de Portugal apresenta um paradoxo para os profissionais de MarTech. Por um lado, uma corrente crescente de millennials tecnologicamente experientes que exigem experiências digitais perfeitas e serviços personalizados. Por outro, uma parte significativa da população, particularmente nas áreas rurais, permanece desconfiada da banca digital, preferindo interações tradicionais cara a cara. No entanto, este fator, na minha opinião deve ser visto como uma oportunidade e não uma ameaça.
O ambiente regulatório em Portugal adiciona outra camada de complexidade. Enquanto a implementação da PSD2 abriu portas para a banca aberta e inovação fintech, a ausência de uma sandbox regulatória abrandou o ritmo para adoção de soluções MarTech. Os reguladores do País têm como prioridade a estabilidade financeira e a proteção do consumidor, pelo que adotaram uma abordagem cautelosa à inovação digital, criando inadvertidamente um panorama MarTech mais conservador em comparação com alguns dos homólogos europeus de Portugal. É como se estivéssemos a tentar navegar num oceano digital com um mapa desenhado por Ptolomeu. Claro que este cenário permite a qualquer fintech, seja uma startup ou scaleup ganhar terreno aos colossos mas tradicionais bancos nacionais.
Talvez em nenhum outro mercado uma visão de MarTech seja tão impactante como no contraste entre os gigantes bancários de Portugal e os seus homólogos mais pequenos. Grandes instituições estão a investir fortemente na transformação digital, lançando chatbots alimentados por IA, plataformas avançadas de análise de dados e soluções bancárias mobile-first. Estes bancos estão a aproveitar o seu músculo financeiro para se manterem competitivos num mercado cada vez mais digital. Em contrapartida, bancos menores encontram-se numa encruzilhada. Limitados por orçamentos mais apertados e equipas de TI mais pequenas, estas instituições lutam para igualar os investimentos em MarTech dos seus rivais de maior dimensão. O risco é claro: à medida que as expetativas dos clientes evoluem, num panorama bancário digital-first, estes bancos mais pequenos podem tornar-se cada vez mais irrelevantes. Esta disparidade levanta questões importantes sobre o futuro do setor bancário português. Veremos uma onda de consolidação à medida que os bancos mais pequenos, incapazes de acompanhar a revolução MarTech, se tornam alvos de aquisição? Ou surgirão players de nicho, aproveitando soluções MarTech direcionadas para criar segmentos de mercado especializados?
Enquanto as atenções têm estado focadas na banca, o setor segurador português está a passar pela sua própria revolução MarTech. Tradicionalmente mais lentas na adoção de tecnologias digitais, as seguradoras estão agora a reconhecer o potencial transformador do MarTech em áreas como aquisição de clientes, avaliação de riscos e processamento de sinistros. A IA e o machine learning estão a revolucionar os processos de subscrição, permitindo avaliações de risco mais precisas e modelos de preços personalizados. As startups insurtech estão a desafiar os players estabelecidos, oferecendo produtos de seguros on-demand e aproveitando dispositivos IoT para apólices baseadas no uso. No entanto, tal como os seus homólogos bancários, muitas seguradoras portuguesas estão a lutar com sistemas antiquados e multifacetados devido às aquisições e falta de visão para uma arquitetura de sistemas e agilização de processos. Este ambiente é fértil à resistência à mudança e à desinformação devido à irregularidade de dados, falta de capacidade de correlação e em muitos casos à baixa qualidade dos mesmos. Quase podemos assumir que este duelo se compara ao de Davi contra o gigante Golias, onde só através do foco, do conhecimento e do empenho é possível evoluir para um sistema melhor e mais capaz.
No coração da revolução MarTech estão os dados – o novo ouro da era digital. As instituições financeiras portuguesas sentam-se em cima de caixas fortes cheias de ouro, ou seja, de dados de clientes, uma mina para as relações personalizadas e desenvolvimento de novos produtos. No entanto, o uso destes dados representa desafios técnicos e éticos. Muitas instituições lutam com silos de dados, onde informações valiosas dos clientes estão dispersas por diferentes sistemas e departamentos. Criar uma visão unificada do cliente, essencial para estratégias MarTech eficazes, requer um investimento significativo em plataformas de integração e análise de dados. Hoje, em muitas empresas, quase que cada departamento tem uma parte do mapa para chegar ao tesouro, mas ninguém consegue juntar todas as peças. Para mim é muito claro que a adoção de MarTech é um dos principais fatores diferenciadores para o setor financeiro português. As instituições que aproveitarem com sucesso esta abordagem vão estar posicionadas para prosperar num panorama cada vez mais competitivo. Até porque, qualquer nova entrada no mercado já terá por base uma visão totalmente digital e ágil, ou seja, este tem de ser o status quo e não uma side quest nos planos de desenvolvimento arquivados numa apresentação. Atenção que, com isto, não podemos assumir que basta somente ter o tema em conta, o ritmo da mudança tecnológica é implacável, e as soluções MarTech de hoje podem rapidamente tornar-se o sistema obsoleto de amanhã. As instituições têm de encarar a inovação contínua e a cultura de experimentação digital como um valor basilar das suas marcas.
A revolução MarTech oferece oportunidades sem precedentes para aproximar o cliente das instituições, com eficiência operacional e inovação dos produtos. No entanto, para alcançar estes benefícios há que superar desafios significativos – arquitetura de informação e de sistemas, uma visão estratégica tecnológica, trabalhar usando os regulamentos e liderar o combate à resistência à mudança através de literacia e resultados. Não é apenas uma mudança tecnológica, é uma reimaginação fundamental da relação entre as instituições financeiras e os clientes. O futuro das finanças é o digital, e o MarTech é a chave para desbloquear esse futuro. É hora de Portugal embarcar numa nova era de Descobrimentos – não por mar, mas com dados e tecnologia!
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