Uma das maiores preocupações de milhares de famílias é como garantir que os nossos pais ou avós envelheçam com dignidade. Essa dignidade não pode depender do estado de saúde, da conta bancária ou da região onde vivem. Estamos a tratar de direitos humanos, não de sorte.
Portugal é um país envelhecido. Segundo dados da Pordata (2023), mais de 2,5 milhões de portugueses têm mais de 65 anos, representando cerca de 24% da população. A esperança média de vida aumentou (80,7 anos, segundo o INE), fruto dos avanços da medicina e das condições de vida. Por outro, a qualidade desses anos adicionais é frequentemente comprometida por pobreza, isolamento e falta de acesso a cuidados adequados.
Para isso contribui o facto de a pensão média ser de 563€ (2023), 30% viverem sozinhos (INE, 2022), muitos em zonas desertificadas, sem redes de apoio ou transporte público. Portugal está ainda entre os países europeus com maior percentagem de idosos vítimas de abuso físico, psicológico ou financeiro (OMS, 2018).
Este cenário demográfico, agravado por uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa, exige respostas urgentes e estruturais. Criar uma rede pública robusta de apoio à velhice não é apenas uma necessidade — é um imperativo de justiça social e um compromisso com a dignidade humana.
Milhares de famílias procuram vagas em lares mas esbarram em listas de espera intermináveis ou em custos proibitivos. Outras acolhem em casa, num gesto nobre de amor, mas que frequentemente se transforma em sobrecarga física, emocional e financeira – 80% dos cuidadores são mulheres, muitas obrigadas a abandonar empregos e a ficarem com problemas de saúde mental (CITE, 2022).
Urge, portanto, criar uma rede pública integrada de apoio ao idoso, gerida em parceria pela Segurança Social, autarquias e unidades de Saúde Local. Um Serviço Nacional de Apoio ao Idoso (SNAI), articulado com o SNS, assegurará uma rede de apoio domiciliário e lares de idosos a preços justos, aliviando as famílias e dignificando os seus familiares.
E como se paga esta estrutura tão importante? Aqui entra a necessidade de reformar o financiamento da Segurança Social quando muitos setores altamente lucrativos, mas com poucos trabalhadores, deixam de contribuir para o sistema de Segurança Social tanto quanto poderiam e deveriam.
Estaremos a inventar a roda? Claro que não. A Suécia oferece serviços domiciliários gratuitos ou subsidiados (limpeza, refeições, cuidados de saúde) a todos os idosos, reduzindo a dependência de lares.
Os benefícios transcendem a esfera individual. Estudos mostram que investir na prevenção e no bem-estar dos idosos reduz custos hospitalares a médio prazo — menos internamentos por quedas ou doenças não monitorizadas. Além disso, fomentará empregos estáveis em áreas como geriatria, enfermagem e assistência social, setores hoje marcados pela precariedade.
Não se trata apenas de economia. É uma questão de ética. Portugal, um país que se orgulha do seu estado social, não pode compactuar com a dualidade atual: entre quem paga lares luxuosos e quem agoniza sem acesso a um cuidador. Envelhecer não é um privilégio de alguns, mas um destino comum.
A criação do Serviço Nacional de Apoio ao Idoso não é um gasto, mas um investimento civilizacional. Exige coragem para priorizar os mais vulneráveis e visão para construir um país que cuida de quem o edificou.
Envelhecer com dignidade não é um privilégio, mas um direito humano. Num país que envelhece tão rapidamente como Portugal, negligenciar esta realidade é uma irresponsabilidade política e social.
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