Há alguns anos, mais do que eu pensava que seriam, no âmbito de uma pós-graduação que frequentei, um Ilustre Docente, de grande sabedoria e sensibilidade, contou a seguinte estória, que espero contar fielmente. É necessário contextualizar que o Ilustre Docente tem formação superior, quer em Direito, quer em Psicologia.
O mesmo disse que, quando estava a iniciar a sua carreira, em prática individual de psicologia, foi procurado por um paciente que pretendia estabelecer consigo uma avença mensal, para uma consulta semanal de psicologia, com o seguinte fim: fazer um resumo de todas as leis e demais normativos que foram publicados nos últimos sete dias. E assim, em cada consulta, de sete em sete dias, o paciente pretendia ser informado de todas as normas da República.
Face a tão inusitado pedido, o Ilustre Docente tentou indagar da motivação desta pessoa. E havia uma razão – o paciente disse que havia sido condenado, por um tribunal, por violação de uma lei de que desconhecia a existência. O que o mesmo pretendia era conhecer todas as leis e nunca mais ser condenado por tribunal algum.
Desconhecendo os concretos contornos do caso, recordei-me logo do art.º 6º do Código Civil que dispõe que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento ou isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas. Como não sabia se estávamos perante um caso civil ou penal, mergulhei também nas problemáticas do erro sobre a ilicitude do art.º 17º do Código Penal. Lembrei-me igualmente de quão nobre é a profissão de advogado e da sua essencialidade para que se faça Justiça.
O Ilustre Docente, tendo identificado a questão, prescindiu da proveitosa avença e iniciou o tratamento terapêutico adequado a este paciente. A minha admiração e respeito, pelo mesmo, aumentou ainda mais.
Esta estória surgiu-me na sequência da publicação do “Inquérito sobre a Justiça” efetuado por IPPS_ISCTE. Não querendo obnubilar as pertinentes questões colocadas, relacionadas com esta temática, evidencio que o estudo tem, como base, apenas e tão só, a perceção dos inquiridos. Consta da ficha técnica que, tendo sido dada possibilidade de resposta múltipla, 82% dos inquiridos afirmaram que formaram a sua convicção através de notícias da comunicação social, 23% por artigos de opinião e comentadores, 29% por terceiras pessoas que lhe contaram a sua visão pessoal do que vivenciaram e 24% pela sua própria experiência pessoal. Apenas 6% tinham alguns livros ou estudos quanto à problemática (o que não quer dizer que tenham algum tipo de formação na área).
Existindo um inquérito, com repercussão sobre a justiça, com base em perceções subjetivas, a maioria formada por terceiros, venho sugerir que seja criado um novo indicador social: “VibeJustice”. Este índice seria uma medida para traduzir quantitativamente um conceito social abstrato, com base em verdades e pós-verdades, em que cada um defende o que quiser na área da Justiça. Todos sabemos que as áreas de economia ou gestão se expressam diariamente por anglicismos, porque não a área do Direito?
O mundo encontra-se cada vez mais crispado. Um dos motivos é o declínio da confiança, pelos cidadãos, nas instituições.
Sou totalmente contra visões elitistas da sociedade e, por isso mesmo, este inquérito evidencia a necessidade de cada cidadão ter uma formação mínima de Direito. Desde logo, ao nível do ensino obrigatório, tal como matemática ou filosofia. Só identificando os reais problemas podemos refletir nas melhores soluções, sobre os quais possamos atuar, para melhorar a sociedade.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.