À Ciência falta muito mais do que financiamento. Falta uma política clara e uma implementação credível. As metas de formação avançada (doutoramentos), profissionalização de investigadores e implementação de projetos de investigação são ambíguas; os calendários associados são voláteis, e a forma de capacitação do Sistema Científico e Tecnológico Nacional é equívoca.
Ao mesmo tempo, a instituição que serve de navio almirante para lidar e intervir nestes domínios, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), vai implodindo em lenta agonia, a braços com problemas estruturais internos, de fuga de recursos humanos e, recentemente, políticas laborais questionáveis, onde até o princípio basilar “trabalho igual, salário igual” é posto em causa. Todas estas matérias têm sido regularmente noticiadas, são públicas e não podem ser ignoradas.
Neste cenário, é preciso muito mais do que esgrimir euros. Mais dinheiro de pouco adiantará se não houver mais clarividência na estratégia de o aplicar e mais sensatez na forma de atuar.
Em altura de discussão do Orçamento do Estado (OE), a verbalização pública do descontentamento generaliza-se um pouco por todo o lado. Os profissionais do SNS exigem mais investimento e os professores pedem a reposição de posições remuneratórias, só para dar dois exemplos. A lista poderia ser longa.
A Ciência, enquanto setor laboral, não é exceção às críticas ao OE. Contudo, as reivindicações do setor da investigação científica diluem-se no coro geral e raramente são notadas. O facto do subfinanciamento da Ciência e do Ensino Superior ser crónico não ajuda a dar visibilidade. Uma dotação do OE paupérrima para este setor não é novidade.
Existe um consenso quase conformado sobre a frugalidade do OE para a Ciência, mas instalou-se um debate curioso sobre se a sua tendência ao longo dos últimos anos é de crescimento ou decrescimento. Neste domínio, temos visões para todos os gostos: dependendo do setor de atividade considerado, da natureza do investimento ou perfil das instituições apoiadas, os vários analistas acrescentam ou retiram parcelas à sua soma.
Esta plasticidade relembra-nos que o OE não passa de uma listagem de números projetados em cenários futuros, hipotéticos por natureza. Contudo, mais importante do que o que se projeta, é a avaliação e impacto do que se fez. Cada OE deveria ser guiado pelos sucessos e insucessos associados aos OE precedentes.
A realidade não é assim e a Ciência talvez seja um dos casos mais paradigmáticos de financiamento sem direcionamento claro nem políticas inteligíveis de suporte. O mês de novembro trará a discussão do OE, em instâncias políticas, e trará também efemérides científicas que mobilizarão os investigadores, como o Dia Mundial da Ciência / Dia Nacional da Cultura Científica. Seria uma boa altura para dar algum sentido a esta coincidência.