1. As primeiras eleições presidenciais em democracia, após o 25 de Abril, realizaram-se a 27 de junho de 1976, ou seja, apenas sete meses após o 25 de novembro de 1975. E o principal “protagonista” do vitorioso 25 de novembro, que pôs termo a um período muito agitado, em que abundaram disparates, excessos e aquilo a que se chamou “tentações totalitárias”, foi António Ramalho Eanes. O que exatamente levou a ser Eanes o “escolhido” pelos seus camaradas militares, em particular os do “grupo dos nove” – que conheciam também as suas qualidades não militares –, para candidato a Presidente da República. Logo com o apoio inicial de PS e PPD, e a seguir do CDS.
Assim sendo, não faltou quem quisesse fazer de Eanes o “candidato do 25 de novembro”. Inclusive na comissão política da sua candidatura. Eu pertenci a essa comissão – como pertenci à da sua recandidatura, em 1980 – e defendi, convicta e veementemente, que Eanes era, devia ser antes, e como tal se afirmar, o “candidato do 25 de Abril”. Isto é que dizia, englobava, significava, tudo. O 25 de Abril, já restaurado, regressado ao seu espírito e aos seus objetivos iniciais/essenciais a 25 de novembro.
Ou seja: o acontecimento histórico, a libertação da pátria após uma tão longa, obscurantista e penosa ditadura, tem uma data e só uma data: 25 de Abril. Como em todas as revoluções – e talvez nunca tenha havido uma tão florida e tão pouco sangrenta como a nossa – houve desvios, erros, excessos, violências, tentativas totalitárias. A que o 25 de novembro pôs, institucionalmente, termo.
2. Voltando à comissão política, em 1976, e àqueles dois divergentes pontos de vista: obviamente, a Eanes cabia decidir. E Eanes foi o “candidato do 25 de Abril”, o candidato da Constituição que o institucionalizou, iria jurar defender – e defendeu. Entre os apoiantes mais firmes de que assim devia ser estava, aliás, o militante do PPD que integrava a comissão, e um dos “pais” da lei fundamental, Jorge Miranda.
Nunca pensei que depois disto, e das posições no mesmo sentido tomadas ao longo do tempo por outros militares e políticos intervenientes vencedores do 25 de novembro, voltasse a haver, entre democratas responsáveis, quem se batesse por uma comemoração “autónoma” do 25 de novembro, a par da do 25 de Abril, por parte de qualquer instituição democrática relevante. E o Parlamento, muito bem, não a promove, antes privilegia, nas comemorações nacionais do cinquentenário, as datas das eleições para a Constituinte, Presidente e Parlamento, e a da aprovação da Constituição.
3. Juntar a estas datas a do 25 de novembro, além do mais trazendo de volta para a ribalta dissensões e feridas do passado, não faz sentido, diminui ou relativiza o 25 de Abril. O que parece pretender-se, embora admita não seja esse o objetivo de alguns, é obter efeitos políticos imediatos, sem fundamento, a qualquer preço, numa forma de fazer política própria do Chega, mas imprópria de qualquer outro partido representado no Parlamento. E constitui para mim uma desagradável surpresa, pela ideia que tenho dele e do seu posicionamento, que Carlos Moedas haja anunciado que a Câmara Municipal de Lisboa iria celebrar o 25 de novembro.
Acho perfeitamente natural que quem quiser festeje o 25 de novembro (que também a mim como cidadão e jornalista, que viveu bem por dentro essa época, muito me satisfez e alegrou…). Que inclusive partidos políticos o façam – mas não o Parlamento ou uma câmara.
4. Sublinho, enfim, que Ramalho Eanes, enquanto presidente da Comissão Nacional das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (que pediu para deixar de ser) nunca projetou comemorar o 25 de novembro, de que foi figura central. E saliento que até já li que o Parlamento não o fazer – e com os votos do PS – é uma ofensa à memória de Mário Soares! Ora acontece que não só nunca Soares defendeu tal celebração como… Eu lembro: durante anos houve de facto, para assinalar a data, uma parada militar, à qual costumava assistir o Presidente da República. E foi Mário Soares, nessa qualidade, que acabou com ela, por não se justificar…
À MARGEM
Saber protestar
Para quem, desde bastante cedo, andou em muitas lutas pelos valores em que acreditava, e acredita, e vê com tristeza o que considera (mal?) uma certa passividade ou falta de combatividade por causas justas de boa parte dos mais novos, é uma alegria ver os grupos de jovens que, por exemplo, se batem em defesa do “planeta”, nos domínios de ambiente, clima, etc.
Mas para esse combate ter sentido, ser eficaz, conquistar apoiantes para as “causas”, não lhe basta ser espetacular, “fazer falar”, etc. Ora, sentar-se no chão para cortar uma via pública como a 2.ª Circular de Lisboa, a hora de ponta, é absolutamente negativo e inadmissível: só afeta, irrita, indigna, milhares de pessoas que vão trabalhar e são lesadas por tal conduta. Que, portanto, em nada serve a “causa”, só a prejudica.
P.S. – Escrevi estas linhas sem saber que a VISÃO teria, nesta edição, uma ampla matéria sobre o 25 de novembro, tema de capa.
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