Partilhar uma refeição com pessoas, amigos, família, é saudável. Para além do ato de degustação em si (e como pode ser memorável!), a partilha do espaço e tempo à mesa dá prazer, cria memórias e momentos que recordaremos pela vida fora. Há milénios que os humanos partilham “a mesa”, e que – também por esta partilha – dedicam atenção e esforço à confeção dos alimentos. A noção de “culinária”, enquanto atividade elevada a forma de arte, tem muitos séculos. Sem querer entrar em qualquer tipo de controvérsia (não é o objetivo desta crónica), em França, Itália, na Índia e na China, para citar exemplos óbvios, a arte da culinária adquiriu uma tal dimensão e complexidade que contribuiu para alterar (educar) o palato e a forma de confecionar alimentos em muitas zonas do planeta. Estas formas de culinária aconteceram e acontecem há séculos, com modificações adaptadas aos respetivos “tempos”, mas sem modificar radicalmente hábitos que – no seu todo – serviram e servem para criar uma identidade cultural e para satisfazer convivas, à volta de muitos milhões de mesas.
Mais recentemente, no último século, observamos um evidente aumento de interesse (com nítido sucesso comercial e cultural) pela(s) culinária(s) que satisfazem no “imediato”. O rápido consumo de alimentos com excesso de açúcar, sal, de gordura e de “sabor”, resulta na ativação de circuitos nervosos que levam à produção de dopamina, levando à quase imediata sensação de prazer, de recompensa, de bem-estar. Consequentemente, esse tipo de alimentação tem tido um enorme e crescente sucesso e aceitação pela população, independentemente do background socio económico e cultural.
Ora que tem tudo isto a ver com o cancro, e que relação existe entre o tipo de dieta e um eventual risco de cancro?
A obesidade, por seu lado, resulta numa situação de inflamação sistémica, o que pode promover o aparecimento de certos cancros. Numa situação de obesidade, estima-se um risco aumentado de pelo menos 13 cancros, entre os quais da mama ou da próstata
O consumo de alimentos resulta, na sua essência, na produção de metabolitos que entrarão em vários processos químicos e biológicos no nosso corpo, e na produção de energia. Os seres humanos precisam de energia para o seu metabolismo basal, no qual se incluem vários processos, tais como o metabolismo das células, a síntese de diferentes enzimas e hormonas, a regulação da temperatura corporal e o normal funcionamento de órgãos como os músculos, o coração e o cérebro, entre outras funções essenciais à nossa sobrevivência. A ingestão insuficiente de nutrientes poderá, assim, comprometer o normal funcionamento do corpo. Em excesso, resulta na acumulação de lípidos (gordura), armazenados nas células gordas, os adipócitos. O balanço entre o que consumimos e o que gastamos, do ponto de vista energético, resulta em ganhos ou perdas de “energia potencial armazenada”, ou seja, acumulação ou degradação de gordura, e ganho ou perda de peso. Dito de outra forma, qualquer atividade que promova o consumo de energia (prática de desporto ou uma atividade mentalmente exigente) deverá ser compensada ao nível da dieta.
Do ponto de vista estritamente energético, uma dieta “ideal” seria aquela que promove o consumo de energia (“caloria”, a medida mais frequentemente utilizada para definir a unidade de energia conferida pela ingestão de alimentos) proporcional à atividade física e mental de cada pessoa. Demasiadas calorias, nomeadamente através do consumo excessivo de açúcar, resultará no aumento de insulina, que leva à acumulação de gordura e eventualmente à obesidade. A obesidade, por seu lado, resulta numa situação de inflamação sistémica, o que pode promover o aparecimento de certos cancros. Numa situação de obesidade, estima-se um risco aumentado de pelo menos 13 cancros, entre os quais da mama ou da próstata.
No que respeita às dietas brevemente descritas no início desta crónica, as que sejam mais ricas em açúcares ou gorduras, aumentam o risco de cancro por poderem resultar numa situação de obesidade e inflamação crónica. Num lado diametralmente oposto destas dietas “ricas”, mas relacionado com o número de calorias que ingerimos, há que mencionar dietas que simplesmente reduzem – por vezes de forma drástica – enormemente as calorias diárias consumidas. O denominado “jejum intermitente” tem revelado efeitos benéficos na redução de peso, de gordura acumulada e de inflamação sistémica, aumentando (em modelos experimentais, ainda não demonstrado em humanos) a longevidade e reduzindo o aparecimento de cancro.
Para além do aspeto energético da alimentação, tem havido grande interesse na escolha de dietas que procurem por um lado eliminar o consumo de alimentos que “favoreçam o desenvolvimento de cancro” e, por outro lado, favorecer o consumo de alimentos que “reduzam o desenvolvimento de cancro”. Os estudos mais recentes apontam para uma relação causal entre o consumo de carnes processadas e vermelhas e um risco aumentado de cancro do intestino, de álcool e um risco aumentado de 7 tipos de cancro (incluindo do fígado e da laringe) e de açúcares e um risco aumentado de pelo menos 13 cancros, conforme discuti anteriormente. No entanto, o “risco aumentado” não significa que – por consumir este tipo de alimentos – uma pessoa vá garantidamente desenvolver um cancro. Outros fatores, nomeadamente genéticos, desempenham um papel incontornável no nosso maior ou menor risco de vir a ter cancro.
Por outro lado, alimentos que eliminem por completo o nosso risco de vir a ter cancro, simplesmente, não existem. No entanto, há certos alimentos que reduzem o risco de alguns cancros em particular, como o consumo de alimentos ricos em fibras ou de produtos lácteos e a redução de risco de desenvolver cancro do intestino.
Para uma adequada digestão dos alimentos, as boas práticas recomendam que mastiguemos 32 vezes cada garfada (depreende-se que alimentos mais suaves possam ser deglutidos com menos “mastigadelas”). Este tipo de informação lúdica, abundante na internet, tem aparentemente pouco interesse, mas traduz a necessidade de fazermos uma digestão adequada do que ingerimos (a mastigação é a primeira etapa da digestão). Idealmente, o que escolhemos comer deveria incluir uma variedade de alimentos que satisfaça o palato, a vista, e mantenha um equilíbrio entre o consumo de calorias e a sua utilização, bem como a redução de alimentos que provoquem inflamação e que possam contribuir para a acumulação de gordura e a obesidade. Dessa forma, poderemos reduzir de forma consciente o aparecimento de diferentes tipos de cancro.
Se as refeições ideais, obedecendo a regras baseadas em conhecimento científico, mas de aplicação simples e fugindo da “recompensa rápida”, puderem ser degustadas na presença da família e/ou de amigos(as), tanto melhor. Todos recordamos com saudade várias refeições, ao longo da vida.
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