“Ou escolhe o caminho de aproveitar uma situação destas para inovar, para mudar, ou para continuar e mexer o mínimo possível”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, quando, há quatro meses, António Costa fez a sua mais recente remodelação governamental, promovendo os secretários de Estado João Galamba a ministro das Infraestruturas e Marina Gonçalves a titular do novo Ministério da Habitação. O Presidente continuou: “O critério é fazer com a prata da casa, para não mexer muito naquilo que existe. Vamos ver. Se isso funcionar, é boa ideia. Se não, retiraremos daí as conclusões”.
Sentia-se que, dada a imprevisibilidade de João Galamba, e a sua conhecida impulsividade, o ministro, à frente de um ministério que coordena matérias tão sensíveis, iria sempre cair – só não se sabia quando. Caiu esta segunda-feira.
Só que não.
António Costa deu um murro na mesa. E não aceitou a demissão. Ignora-se se Marcelo Rebelo de Sousa lembrou a Costa os avisos que então fez, publicamente, ou se exigiu que, desta vez, para usar as suas próprias expressões, o primeiro-ministro “inove e mude”. António Costa, na sua conferência de imprensa, em que segura João Galamba, não desmentiu, uma única vez, a vontade que Marcelo teria expressado de ver sair o ministro das Infraestruturas. O tom de Costa, nesta conferência, tinha todo o ar de um braço de ferro. Agiu com “a sua consciência”, dá o corpo às balas contra comentadores e agentes políticos e coloca-se à mercê do Presidente da República. Se o Governo cair, Costa passa a ser uma vítima. O eleitorado aprecia essas coisas.
Ainda Costa não tinha acabado as respostas ao jornalistas, e já a Presidência da República emitia uma nota a “discordar” da decisão de Costa. A rutura era assumida. Costa, por seu turno, demonstrou que as ameaças veladas de dissolução não o assustam. A partir de agora, as palavras de Marcelo terão menos peso.
Depois de ter dado sinais de que o caso Galamba era diferente de todos os outros, por envolver matérias tão “sensíveis” que só poderiam ser tratados em “recato” – e, provavelmente, de ter autorizado fugas de informação sobre uma conversa telefónica com Costa, no fim-de-semana, em que teria exigido a cabeça de Galamba – o Presidente da República não podia ser desautorizado. Se o ministro não se demitisse, ou não fosse despedido por António Costa, provar-se-ia que Marcelo não teria força suficiente para manter Costa em respeito. Na matéria de capa da edição nº da VISÃO, na semana passada, escrevíamos que, no momento em que a posição política do próprio Presidente da República fosse posta em causa, então sim, Marcelo pensaria em dissolver o Parlamento. Pela memória de todos os envolvidos terá passado, por estes dias, o célebre episódio em que Jorge Sampaio, numa conversa com António Guterres, obrigou o então primeiro-ministro a demitir Armando Vara. E esta era a referência do atual inquilino de Belém sobre o poder do Presidente e sobre a magistratura de influência.
E agora, Marcelo?