João Galamba apresentou a demissão do Governo. Em comunicado, o agora ex-ministro das Infraestruturas justifica a decisão com o “atual quadro de perceção criado na opinião pública”. Na mesma nota, Galamba nega “em momento algum ter agido em desconformidade com a lei ou contra o interesse público” e voltou a reafirmar a sua versão no caso TAP, garantindo que “sempre entreguei à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP toda a documentação de que dispunha”.
Reproduzimos o comunicado na integra:
“Comunico que apresentei, agora mesmo, o meu pedido de demissão ao Senhor Primeiro-Ministro.
No atual quadro de perceção criado na opinião pública, apresento o meu pedido de demissão em prol da necessária tranquilidade institucional, valores pelos quais sempre pautei o meu comportamento e ação pública enquanto membro do Governo.
Numa altura em que o ruído se sobrepõe aos factos, à verdade e à essência da governação, é fulcral reafirmar que esta Área Governativa, que me orgulho de ter liderado, nunca procurou ocultar qualquer facto ou documento.
Demito-me apesar de em momento algum ter agido em desconformidade com a lei ou contra o interesse público que sempre promovi e defendi na minha atuação enquanto governante, tal como foi, detalhada e publicamente, reconhecido pelo Senhor Primeiro-Ministro.
Reitero todos os factos que apresentei em conferência de imprensa sobre os acontecimentos ocorridos e reafirmo que sempre entreguei à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP toda a documentação de que dispunha.
Considero que a preservação da dignidade e a imagem das instituições é um bem essencial que importa salvaguardar, tal como a minha dignidade, a da minha família e a das pessoas que comigo trabalharam no Gabinete e que foram nestes últimos dias gravemente afetadas.
Agradeço ao Senhor Primeiro-Ministro a honra de me ter permitido participar no seu Governo e agradeço ao Senhor Secretário de Estado das Infraestruturas e ao meu Gabinete todo o trabalho e dedicação que colocaram ao serviço do interesse público.
Por fim, apresento as minhas desculpas à minha Chefe do Gabinete e às minhas assessoras de imprensa que mesmo sob agressão tudo fizeram para proteger os interesses do Estado e que viram, nestes últimos dias e de modo insustentável num Estado de Direito, a sua dignidade afetada”.
O País em suspenso…
A demissão de João Galamba ocorre num dia em que o País aguardou (e desesperou) por respostas relacionadas com este caso. Durante esta terça-feira, António Costa desdobrou-se em reuniões para (tentar) solucionar a polémica em torno de João Galamba. Passadas cerca de nove horas, depois de conversas em São Bento e no Palácio de Belém, João Galamba tomou a decisão de se demitir…
Logo pela manhã, António Costa reuniu com o agora ex-ministro João Galamba na residência oficial do primeiro-ministro. No final do encontro, nenhum dos protagonistas falou à comunicação social. Galamba rumou ao Ministério das Infraestruturas, onde permaneceu até pouco depois das 19h30. Quando abandonou o local, porém, Galamba já não se serviu do carro oficial, que utilizava habitualmente – o que permitiu, logo aí, levantar a ponta de véu deste desfecho.
Reuniões com “núcleo duro” e em Belém
Depois da conversa com Galamba, o primeiro-ministro convocou, com caráter de urgência, a maior parte dos membros do núcleo duro de coordenação política do Governo: a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, o ministro das Finanças, Fernando Medina, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e ainda o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, acorreram à residência oficial do primeiro-ministro.
Mais tarde, foi a vez de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se reunirem, no Palácio de Belém, durante 1h40. Depois de o Presidente da República ter dito que “o caso [de João Galamba] é sensível e tem de ser tratado discretamente”, surgiriam notícias, ao longo do dia, indicando que Marcelo já tinha transmitido a António Costa que considerava que Galamba não reunia condições para permanecer no Governo.
A versão, porém, não seria confirmada por nenhuma das partes. Ao contrário do que sucedeu, no passado mês de janeiro, no caso que envolveu Carla Alves – quando o Presidente da República considerou que a então secretária de Estado da Agricultura representava “um peso negativo” para o Governo, pelo facto de o seu marido, Américo Pereira, ex-presidente da Câmara Municipal de Vinhais (Bragança), estar a ser acusado pelo Ministério Público num processo de corrupção e prevaricação –, desta vez, Marcelo não se pronunciou publicamente sobre João Galamba.
O conteúdo da reunião entre António Costa e Marcelo continua, para já, no “segredo dos Deuses”. Se se abordou uma possível remodelação alargada… não se sabe. A verdade é que João Galamba abandonou o cargo.
Um caso, duas versões. Quem mente?
A polémica envolvendo João Galamba surge depois de o ministro das infraestruturas ter exonerado o adjunto Frederico Pinheiro por “comportamentos incompatíveis com os deveres e responsabilidades” inerentes ao exercício das funções. O ministro das Infraestruturas acusa o ex-adjunto de lhe ter escondido as notas da polémica “reunião secreta”, realizada a 17 de janeiro, entre a CEO da TAP, Christine Ourmiéres-Widener, e membros do Governo e do grupo parlamentar do PS – que, alegadamente, terá servido para preparar a audição da então presidente da transportadora na comissão parlamentar de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação –, entretanto, pedidas pela comissão parlamentar de inquérito (CPI).
Frederico Pinheiro nega esta versão. O ex-adjunto diz que, pelo contrário, terá sido o próprio ministro João Galamba a tentar esconder as notas da “reunião secreta” à CPI e acrescenta que, afinal, não houve uma, mas sim duas reuniões preparatórias, entre TAP e Governo, tendo em vista a audição parlamentar de Christine Ourmiéres-Widener – e que João Galamba esteve mesmo neste primeiro encontro, tendo informado a ex-CEO da TAP da necessidade de se reunir, também, com o grupo parlamentar do PS.
Foi nesse encontro que João Galamba terá informado Christine Ourmières-Widener de que iria ter “uma reunião preparatória” da sua audição com o grupo parlamentar do PS, garante o ex-adjunto.
João Galamba continua a desmentir esta versão, como o fez no próprio comunicado da sua demissão.
Polémica, e ainda por esclarecer, continua a ainda a ser a intervenção do Serviço de Informações e Segurança (SIS) que, alegadamente, terá sido acionado pelo Governo para recuperar o computador do Estado com “documentos classificados” que Frederico Pinheiro terá levado do Ministério das Infraestruturas, ao final do dia em que foi demitido.
Entretanto, PSD e Chega querem que o ex-adjunto seja ouvido na comissão de inquérito. No requerimento, os sociais-democratas pedem mesmo que essa audição se realize “com máxima urgência”. Frederico Pinheiro já manifestou disponibilidade para falar à CPI da TAP.