Não se deve confiar nas sondagens (que o digam Carlos Moedas e Fernando Medina nas últimas eleições para a Câmara Municipal de Lisboa). Entretanto, o apuramento dos votos na primeira volta das eleições presidenciais do Brasil foi mesmo a prova disso. Acompanhá-lo foi uma prova de resistência cardíaca para os militantes do Partido dos Trabalhadores e uma lufada de esperança para os Bolsonaristas.
Diversos institutos de pesquisa davam a vitória de Lula em primeiro turno e, no melhor dos prognósticos, Bolsonaro não ultrapassaria 37% das intenções de voto.
Para os demais curiosos que assistiram ao apuramento foi uma estupefação: Jair Bolsonaro liderou a corrida presidencial a maior parte do tempo, sendo ultrapassado por Lula da Silva somente após 70% das urnas eleitorais totalizadas.
Resultado: Lula terminou com 48,4% dos votos válidos e Jair Bolsonaro com 43,2%.
Portanto, é com certa incredulidade que se deve encarar a última sondagem divulgada pelo Instituto de Pesquisa Datafolha a menos de dez dias da última volta das eleições, em que o ex-presidente Lula da Silva aparece com 49% das intenções de voto e o presidente Jair Bolsonaro surge com 45%.
Lula da Silva tem a vitória garantida? Não parece. Ainda há incertezas do lado debaixo da Linha do Equador…
A imprevisibilidade do resultado tornou ainda mais emocionante acompanhar a corrida presidencial brasileira. As atuais sondagens no Brasil são como uma roleta russa: a probabilidade de o projétil estar na câmara engatilhada é pouca, mas se o tiro acertar pode ser a morte da democracia.
Alguns fatores determinarão o resultado das eleições. O primeiro deles prende-se a uma característica específica destas eleições presidenciais: trata-se de uma militância que não é partidária, é personificada. Isso explica o facto de haver somente 1% de eleitores indecisos, sendo que 94% afirmaram que já resolveram em quem votarão e que não pretendem alterar esta decisão.
Independentemente de qual for o partido político de cada um dos candidatos à presidência, estamos diante de adeptos apaixonados. E mais: os candidatos podem falar os maiores disparates, fazer o que quiserem, que lá estarão os apoiantes prontos para justificar até mesmo o injustificável. Bem dizem que a paixão é cega.
E por falar em ausência de visão… Ultimamente, quando visitamos o Brasil, parece que estamos no enredo do filme “Às Cegas” baseado no livro de Josh Malerman.
No filme, a personagem interpretada por Sandra Bullock tenta sobreviver num mundo apocalíptico invadido por monstros invisíveis, cujos objetivos são fazer com que as pessoas cometam suicídio ou que se transformem em malucas, tentando a todo custo que os sobreviventes olhem para aquilo que não pode ser visto.
Militantes do Bolsonarismo e do Lulismo tentam desesperadamente convencerem-se uns aos outros. Ambas as partes recusam-se a enxergar qualquer coisa para lá das suas convicções e parecem tomadas por uma fumaça alucinogénia que os cega completamente. Qualquer opinião contrária deve ser eliminada.
Resultado: um país dividido, dominado por militantes que se agridem física e verbalmente, sem nenhum respeito à liberdade individual de escolha. Morreu o bom senso e o Brasil se dividiu.
Entretanto, ainda restam os envergonhados. O resultado das eleições também poderá ser determinado pelos votos que, em público, são “silenciados” – o chamado voto envergonhado. As rejeições de Bolsonaro e de Lula fazem com que alguns eleitores escondam a sua preferência de voto, pelo receio de serem vítimas de assédio ou de violência eleitoral. Tais cidadãos evitam assumir uma postura pública, mas se identificam com algum dos candidatos e não se escusarão de expressar as suas convicções nas urnas.
O voto envergonhado pode ter sido o responsável por uma subnotificação das intenções de voto em Jair Bolsonaro na primeira volta das eleições presidenciais e poderá definir o pleito eleitoral no próximo dia 30 de Outubro.
Por fim, numa campanha eleitoral marcada por questionamentos sobre a fiabilidade das urnas eletrónicas, acusação de fraudes no sistema de apuramento dos votos e propagação de notícias falsas, a capacidade de resiliência e a aceitação dos resultados pela parte perdedora (e por seus adeptos) serão imprescindíveis para a unidade da nação e para o combate dos problemas estruturais que o Brasil enfrenta.
Deste modo, os resultados das eleições (justas e transparentes, até que se prove o contrário) também serão determinados pelo acatamento dos seus resultados, corolário de um Estado Democrático de Direito. O que está em causa é qual o modelo civilizacional de sociedade que se quer levar a cabo no Brasil e não apenas um cargo de presidência da república. Bem se sabe que posições extremistas são muito parecidas em relação ao pouco apreço que têm pela democracia.
Os Legião Urbana, famosa banda brasileira nos anos 80, tinham uma canção que dizia “Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação… Que país é esse?”
Quem viver, verá.
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