A utilização de pequenos pedaços de tecido, tipicamente dobrados entre si criando pequenos laços ou nós, está presente nas vestimentas dos seres humanos desde pelo menos o Período Neolítico (10.000 a 3.000 anos AC); evidências arqueológicas obtidas na Turquia, e datadas a 6.000 anos AC, evidenciam precisamente isso. Durante muitos séculos esse tipo de adereço produzido a partir de diferentes tipos de tecido tinha essencialmente um papel utilitário, funcional, embora haja também evidência que sugere a sua utilização como meros adereços decorativos. Elizabeth Wayland Barber, especialista em linguística e arqueóloga, conhecida pelos seus trabalhos sobre a dança folclórica e a utilização de tecidos têxteis na Antiguidade, sugeriu que dançarinas utilizassem pequenas “bandas” de tecidos decorativos durante as suas performances, a meio da Idade do Bronze (3,300 a 1,200 anos AC). “Diademas” (do Grego, “bandas”) foram laços normalmente utilizados pelo Rei ou nobres, pessoas de destaque na sociedade, ou mesmo para premiar atletas vencedores de provas durante os antigos Jogos Olímpicos. Anos mais tarde, durante os séculos XIV e XV, a utilização deste tipo de ornamento feito de tecidos como seda, em pequenos laços ou nós, por vezes decorados com elementos metálicos, foi sendo frequente. Mas é em França que a utilização de laços como elementos obrigatórios para o vestuário se torna uma verdadeira obsessão, durante o reinado de Luís XIV. Nesta altura, a utilização de laços ornamentais ocorria no peito, no cabelo, à volta dos tornozelos ou pernas, ou mesmo na base das costas.
Só muitos anos mais tarde, numa altura em que a utilização de laços e lacinhos passava de moda (estando limitada à decoração de chapéus e pouco mais), foi sugerido que a utilização deste tipo de elemento pudesse ser uma forma de chamar a atenção e uma forma de sensibilizar o “público” para uma determinada causa ou causas. Nos idos anos 90 do século XX, o grupo de ativistas americanos Visual AIDS, ou como “visualizar a SIDA”, criou um movimento que permanece ativo e popular até hoje: a utilização de pequenos laços vermelhos como símbolo internacional para alertar e sensibilizar a população em geral para a SIDA e os problemas que esta doença acarreta. No caso do cancro da mama, e estando em pleno mês de outubro (o mês de sensibilização para o cancro da mama), a utilização de um pequeno laço cor de rosa é o símbolo que se utiliza para aumentar a atenção da população para a importância de apoiar a investigação em cancro da mama.
No caso do cancro da mama, e estando em pleno mês de outubro (o mês de sensibilização para o cancro da mama), a utilização de um pequeno laço cor de rosa é o símbolo que se utiliza para aumentar a atenção da população para a importância de apoiar a investigação em cancro da mama
O laço cor de rosa representa a coragem (das doentes) de enfrentar o cancro da mama, mas é sobretudo um alerta para a importância que tem a utilização de fundos públicos e privados no apoio à investigação focada nas causas e mecanismos do cancro da mama. Várias organizações nacionais e internacionais utilizam este símbolo com um objetivo comum: sensibilizar e alertar para a importância da investigação em cancro da mama e como forma de angariar fundos para a apoiar. Neste contexto, a nível internacional, duas mulheres norte-americanas, ambas tendo tido cancro da mama, merecem natural destaque. Charlotte Haley começou, em 1991, uma campanha de sensibilização envolvendo a venda de pequenos laços cor de pêssego. Com a venda de cada pacote de cinco pequenos laços, Charlotte Haley enviava um pequeno cartão com a seguinte mensagem escrita: “O Instituto Nacional do Cancro (National Cancer Institute) investe apenas 5% do seu orçamento na prevenção do cancro. Ajudem-nos a sensibilizar os legisladores para um aumento dessa verba, usando estes pequenos laços em público.” Tendo sobrevivido ao seu cancro até falecer de outras causas em 2014, o trabalho pioneiro de Charlotte Haley levou à utilização de pequenos laços (que se tornaram cor de rosa por questão de marketing) para sensibilizar para o problema do cancro da mama.
O segundo nome incontornável neste domínio é de Susan Komen, cuja história é menos positiva (Susan Komen faleceu do seu cancro da mama agressivo e metastático em 1980 aos 36 anos de idade). O seu exemplo na forma de encarar a doença foi determinante para que a sua irmã, Nancy Brinker, fundasse em 1982 a Susan Komen Foundation, mais tarde chamada Susan Komen for the Cure Foundation, cuja utilização massificada de pequenos laços cor de rosa (é mesmo este o símbolo da Fundação) em várias campanhas, tornou especialmente visível.
Muitas organizações privadas e públicas aderiram a este movimento, simbolizado pela utilização de pequenos laços cor de rosa, com o intuito de gerar apoios para fomentar a investigação e prevenção do cancro da mama, tornando o mês de Outubro de cada ano o “mês de alerta para o cancro da mama” (Breast Cancer Awareness Month).
Uma em cada oito mulheres, em Portugal, tem um elevado risco de poder vir a desenvolver um cancro da mama. Dentro destes, aqueles que afetam mulheres mais jovens são – habitualmente – mais agressivos e mais difíceis de tratar. As causas para a elevada incidência do cancro da mama (para além dos casos hereditários, que correspondem a menos de 10% da totalidade) envolvem os hábitos alimentares e de estilo de vida, bem como a exposição a carcinogéneos ambientais, entre outras ainda desconhecidas. Mais sensibilização e mais ação para alterar esses hábitos e esses fatores é essencial. Por outro lado, o comportamento agressivo de alguns casos de cancro de mama, com maior propensão para formação de metástases e pior curso clínico merece uma explicação detalhada que ainda não existe: mais e melhor investigação, precisa-se. Que o mês de outubro e a exibição de laços cor de rosa sirvam o propósito de ajudar quem se debruça sobre estes problemas cientificamente complexos.
Em Portugal, a investigação focada em compreender os mecanismos subjacentes ao desenvolvimento e a progressão do cancro da mama tem inúmeros atores que devem ser reconhecidos, apoiados e acarinhados. Com sub-financiamento crónico, a investigação realizada há anos em instituições públicas como o i3S, Ipatimup (Universidade do Porto) e IPO do Porto, Universidade de Coimbra, Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, IPO de Lisboa, Universidade do Algarve, entre outras, tem conseguido sobreviver demonstrando competência, competitividade e impacto há várias décadas.
Um voto que partilhamos neste mês “cor de rosa”: que a sensibilização pública para o problema do cancro da mama, ilustrada pela utilização de pequenos laços cor de rosa, resulte em mais financiamento e melhores condições para realizar investigação cientificamente e clinicamente relevante.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.