Nas grandes competições de natação, os resultados finais têm uma correspondência quase matemática com os tempos de qualificação de cada atleta. Nas piscinas, salvo qualquer percalço inesperado, é impossível os últimos do ranking ganharem aos primeiros. E, para os conhecedores na matéria, mesmo as surpresas nunca são… grandes surpresas. Os atletas que se apresentam à partida com os melhores tempos são os que, invariavelmente, chegam às finais e disputam as medalhas. Quem parte para uma grande competição com cronómetros a meio da tabela na lista de participantes, mesmo quando a diferença se mede em frações de segundo, pouco mais pode aspirar do que a uma subida de alguns lugares, mas nunca a virar a lista ao contrário, como acontece, por vezes, noutros desportos em que o underdog tem alguma possibilidade de ganhar – nem que seja uma vez em dez – ao favorito.
Foi esta realidade que, ao longo dos anos, contribuiu para que a participação dos nadadores portugueses nas maiores competições internacionais fosse tantas vezes acompanhada de uma espécie de desilusão, associada ao fatalismo inerente a um país com evidente falta de cultura desportiva. Só uma vez, em quase um século de participações olímpicas, um português conseguiu chegar a uma final olímpica – Alexandre Yokochi, em 1984, nuns jogos marcados pela ausência dos países do Leste europeu. De resto, os resultados dos nossos melhores nadadores são, quase sempre, o reflexo da fragilidade do desporto português, mesmo quando comparado com o de outros países do nosso nível económico, demográfico e de desenvolvimento social. Nas piscinas, até agora, aquilo a que nos habituámos foi sempre o mesmo: ver os outros a ganhar medalhas, connosco a conformarmo-nos com a impossibilidade de o fazer, incapazes de contrariar essa fatalidade.
Algo, no entanto, começou a mudar. De forma lenta, primeiro – com presenças nas meias-finais nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e de Tóquio 2021. E mais acelerada nos últimos meses, com a conquista de duas medalhas nos Europeus, bem como a presença em nove finais, a que se seguiu agora a prestação superlativa do jovem Diogo Ribeiro, com três medalhas de ouro nos Mundiais de Juniores e, mais importante, o recorde do mundo nos 50 metros mariposa, no seu escalão.
Num país habituado ao fatalismo, o mais fácil é explicar esta reviravolta como um milagre ou fruto do acaso, por via do aparecimento de um talento excecional. Ninguém tem dúvidas de que Diogo Ribeiro é mesmo um talento excecional, mas ainda é mais verdade que o País só conhece agora o seu nome – e muito bem! – porque esse seu talento foi devidamente identificado, treinado e potenciado. E isso não é um milagre, mas sim fruto de um trabalho que, ao longo dos tempos, pode ter tido alguns percalços e erros, mas que nunca deixou de ser consistente. Esse trabalho foi descrito pela primeira vez em 2014, no Plano Estratégico elaborado pela Federação Portuguesa de Natação, com vista a que estes resultados pudessem começar a aparecer no espaço de uma década. Passou por um esforço para captar mais praticantes, desenvolver as condições de competição e, no caso do alto rendimento, a criação de condições superlativas para aproveitar os melhores talentos.
Para essa última tarefa, a federação tomou uma decisão arriscada, disruptora, mas que em pouco tempo se revelou absolutamente acertada: rompeu com o statu quo existente, mudou o “paradigma” e foi buscar o treinador e a equipa técnica que lideraram a seleção brasileira em cinco Jogos Olímpicos, com resultados reconhecidos a nível mundial. Ou seja: acrescentou conhecimento, experiência e método ao talento. O recorde do mundo de Diogo Ribeiro demonstra que, afinal, não temos de viver reféns do fatalismo, ainda tão impregnado em Portugal. Ou, como diz o jovem nadador, “o corpo faz aquilo que a mente acredita”. Assim acreditemos, no resto, como ele.