1.95 mil milhões de trabalhadores e estudantes – é este o potencial de recrutamento da Síndrome Pós-Férias (SPF). As malas estão desfeitas com destino à rotina. Mas a bagagem continua pesada: alterações de humor, falta de energia e de motivação, taquicardia, dificuldades de concentração, irritabilidade, dores de cabeça, alterações no sono e apetite, são os sintomas desta síndrome. A regra diz que se combate o jet lag à velocidade de 1 hora de diferença horária por noite. Com duração entre 2 a 15 dias, proporcional à extensão das férias e às necessidades individuais de readaptação, a SPF é o jet lag emocional do regresso ao trabalho e à escola. Começa o nosso odiado mês de setembro.
Regressar não é o verbo favorito de cerca de 40% dos trabalhadores e alunos que, ao espreitar do quotidiano, sofrem de Síndrome Pós-Férias. Não se trata de capricho da mente, preguiça estival ou crise existencial do resto dos dias quentes, mas do custo mental – e físico – da nossa estranha forma de vida. Não estamos a falar daquela lentidão das primeiras horas em frente ao computador, quando ainda ontem o horizonte era à beira-mar. Há um custo normal no regresso ao dia burocrático, que nos acomete a todos, e há uma reação que impacta no bem-estar e capacidade funcional – é aqui que a SPF se situa.
Como tantas – demasiadas – vezes nas coisas da saúde mental, não há consenso na tipificação desta síndrome. Não é uma doença mental, mas um estado psicológico referido na literatura científica desde 1955. Alguns aproximam-lhe os sintomas à depressão, outros aos transtornos de ansiedade, outros ainda negam a sua validade diagnóstica. As boas notícias são que, per si, não é uma forma de depressão ou ansiedade, é temporária e existem mecanismos de prevenção, minimização e tratamento. A má notícia é que 1,22 mil milhões de trabalhadores e estudantes vão enfrentar sintomas mais intensos e prolongados de SPF, e correm o risco de desenvolver transtornos mentais: ansiedade, depressão, burnout, adições, distúrbios do sono.
Ainda que as causas pareçam simples, o cérebro humano nunca é elementar. O trigger desta síndrome é o regresso, mas na sua origem neurológica está o “efeito contraste”, um viés cognitivo: uma reação de adaptação do cérebro face à mudança abrupta de rotina, ajustando-se entre experiências muito diferentes como as férias e o quotidiano. E porquê a sintomatologia depressiva e/ou ansiosa? É o cérebro a tentar restaurar a ordem. Exposto a realidades com características similares mas qualidades intrinsecamente distintas, o nosso cérebro exacerba a percepção das diferenças e precisa de um período de transição para regressar à normalidade. Voltar aos horários e à dieta habitual também impactam na regulação do humor, já que as férias são um período de indulgência alimentar excessiva em açúcar, carbonos e álcool. Mas central nesta equação é o nosso modo de vida e a percepção que temos do trabalho: negativo, obrigação, sacrifício. O que sublima o papel imperativo da saúde mental ocupacional, que empresas e decisores políticos tardam em reconhecer mas já é impossível ignorar.
Passamos 1820 das 8760 horas anuais a trabalhar (20,78% do ano). Os casos de burnout são crescentes e as doenças mentais, como a depressão e a ansiedade, cresceram 25% em 2 anos – com clusters etários perigosamente entrincheirados na gen Z e millennials. A má relação dos empregados com o modelo de organização do trabalho reflete-se numa atual redefinição de prioridades, e a ocidente a qualidade de vida ganha terreno à ambição e sucesso profissional: a great resignation nos EUA, o boreout, o quiet quitting, são fenómenos do presente. O absentismo e o presentismo causam perdas de produtividade astronómicas, quando só a prevenção e promoção da saúde mental no trabalho reduziria esses custos em 30%. Depois de celestiais dias de pausa, a perspetiva de voltar aos rigores infernais deste Trabalho é, obviamente, precária para o bem-estar – e eis a SPF.
Identificado o ovo e a galinha, o que devemos fazer perante a SPF? Jamais ignorar e esperar que se esfume. Este estado psicológico é sério, não se compadece com a ligeireza que lhe costumam dedicar. Truques de senso comum podem ser paliativos, mas temos de ser analíticos: porque é que detestamos voltar àquele emprego, empresa, trabalho? A SPF é efeito, impõe ação sobre a causa e estratégia: de prevenção, como planear um regresso gradual, calendarizar dias de escape e coisas boas pelas quais ansiar; de minimização dos sintomas mais agudos, usando técnicas de respiração, meditação, mindfulness, exercício físico; e, no fim da linha, de tratamento psicoterapêutico, talvez coadjuvado por medicamentos.
Quem se identifique com os sintomas e razões, arrede a culpa do cenário. Mas não fique quieto porque falta um ano para a próxima crise de SPF. Somos uma gigantesca engrenagem de sindromáticos pós-férias, e somos parte estruturante do problema.
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