Com a sua reeleição, o homem que em 2017 já tinha revolucionado o sistema político francês não garantiu apenas mais cinco anos no Palácio do Eliseu. Ao derrotar, pela segunda vez, Marine Le Pen – a candidata da extrema-direita xenófoba, antieuropeia e aliada de Vladimir Putin – , Emmanuel Macron ganhou, acima de tudo, três responsabilidades acrescidas e extremamente exigentes que, no final, irão marcar muito mais o seu lugar na História do que qualquer dos seus resultados eleitorais, por mais surpreendentes e concludentes que possam ter sido.
Nos próximos cinco anos, Macron vai ter três tarefas ciclópicas pela frente: conseguir unir um país cada vez mais fraturado e dividido entre os extremos; encontrar alternativas que impeçam a extrema-direita de tomar o poder no final do seu mandato; e, finalmente, assumir-se como o líder forte, experiente e carismático da União Europeia, num dos momentos mais difíceis e decisivos da sua história.
No seu discurso de vitória, proferido no cenário emblemático dos Champs de Mars, Emmanuel Macron mostrou ter consciência dessa tripla responsabilidade. Em todos os momentos da sua intervenção, coreografada num palco com a Torre Eiffel como fundo, ele fez questão de ligar o destino de França ao da Europa e vincou o seu propósito de ser o Presidente de todos os franceses, não se esquecendo de referir os abstencionistas, os que votaram para derrotar a extrema-direita e também os eleitores de Marine Le Pen.
Macron sabe que ficou “preso” a uma maioria que, na verdade, não lhe pertence por inteiro. Depois da sua vitória triunfal, há cinco anos, ele percebeu depressa o peso da rejeição. Teve, em certa medida, cinco anos “amaldiçoados” – revolta dos “coletes amarelos”, incêndio da Notre-Dame, uma pandemia e até o regresso da guerra à Europa -, mas acabou por ser reeleito e, ainda por cima, sem ter que ir às urnas em “coabitação” com um governo da oposição, como sucedeu, por exemplo, com Mitterrand e Chirac.
Se o primeiro mandato foi difícil, Macron sabe que o segundo poderá ser ainda pior. “Os próximos cinco anos não serão tranquilos, mas serão históricos”, prometeu no seu discurso de vitória. Exatamente como, em 2017, então num cenário com a pirâmide do Museu do Louvre como fundo, havia proferido uma frase solene: “Farei de tudo para que os franceses não tenham mais motivos para votar nos partidos extremistas.” Desta vez, Macron sabe que não pode falhar.
Daqui a cinco anos, impedido de se apresentar a um terceiro mandato, já não haverá votos contra a extrema-direita para lhe salvar a face nem a forma como a História o recordará. Macron ficou a dever a vitória a 58% dos franceses, mas não volta a ter estado de graça. Sabe que a sua maioria se pode desvanecer a qualquer momento – ninguém adivinha, por exemplo, que governo e parlamento irão sair das legislativas de 12 e 19 de junho… – e tem de ter perfeita consciência da progressão assustadora dos votos na extrema-direita, de eleição para eleição, nos últimos 20 anos, e o que isso pode significar em 2027, tanto para França como para a Europa. E não pode dividir a responsabilidade com mais ninguém: é a ele que foi entregue a tarefa de impedir que a “França se desfaça”, conforme escreveu o Le Monde, em editorial; e é a ele que cabe a tarefa de demonstrar que o futuro dos franceses não tem de ser de divisão, de regresso ao nacionalismo, mas antes de modernidade, inovação, com maior justiça económica e social, e respeito pelo ambiente.
Os desafios que o esperam são imensos, tanto dentro das fronteiras francesas como no plano europeu, onde lidera a única potência nuclear da União Europeia e é, para todos os efeitos, o líder de “maior peso” no contexto atual. Europeísta convicto, Macron possui a ambição e a energia necessárias para assumir mais esse desafio – mas precisa agora de provar que está à altura dele.
Este seu segundo mandato vai ser decisivo para compor o retrato com que será recordado na História: como o homem que foi capaz de modernizar a França e uni-la num momento decisivo para a Europa ou aquele que, durante uma década, apenas foi capaz de ir adiando um desastre anunciado, sem ter feito nada para o evitar. Se falhar… será o desastre – para a França e para a Europa.
Os votos de 58,8% dos franceses salvaram a França e a Europa do desastre imediato. Depende agora de Emmanuel Macron que esse desastre seja derrotado para sempre e não apenas adiado.