Portugal, a par de muitos outros países europeus, tem um desafio por resolver na oferta de habitação condigna para a classe média, especialmente nos principais centros urbanos. E a falta de oferta tem múltiplas causas.
Não sendo possível sumarizar neste espaço todos os motivos e potenciais soluções, iremos fixar a nossa atenção no tema da fiscalidade e do licenciamento, que nos parece ser aquele mais premente.
Ao contrário do que se imagina, esta problemática não afeta somente o promotor, mas também o próprio Estado Central, as Autarquias, os múltiplos prestadores de serviços e, naturalmente, os clientes finais. A título de curiosidade e como breve nota introdutória nesta temática, refira-se que no nosso país a fiscalidade aplicável ao imobiliário residencial é curiosamente a mais alta de todo o setor, facto raramente discutido na praça pública.
No sentido de compreendermos melhor a dimensão do problema, vejamos então alguns dos impostos na construção de um novo edifício, em área urbana:
- O IMT (Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis), aplicado de forma tendencialmente progressiva, mas que atinge uma taxa de 6% para imóveis de valor superior a € 574.323, ou mesmo 7,5% no caso de imóveis de valor superior a € 1 milhão, que é um custo avultado e é devido a cada vez que o ativo seja transacionado;
- O Imposto do Selo, que é habitualmente contabilizado como 0,8% do preço de compra (pago no momento da celebração da escritura de aquisição), mas que se aplicam igualmente caso exista concessão de financiamento – aplicando-se, nesse caso, sobre o valor do crédito bancário concedido (até 0,6%), bem como sobre os juros e comissões bancárias (4%);
- O IVA na construção, atualmente à taxa de 23%, que é, em regra, recuperável no caso de investimento destinado a hotelaria, escritórios ou comércio, mas, pasme-se, no caso da habitação é um custo efetivo, não recuperável por parte do promotor e, por isso, suportado pelo adquirente;
- O AIMI (Adicional ao Imposto Municipal de Imóveis), que é especialmente focado em imóveis residenciais, incluindo terrenos para construção habitacional. Por exemplo, para o segmento médio é aplicado nas habitações ou terrenos de valor igual ou superior a €600.000. Contudo, não se aplica aos escritórios, comércios, logística, entre outros imóveis afetos a uma atividade comercial, industrial ou agrícola;
- A construção nos centros urbanos é sobrecarregada com a TRIU (Taxa pela Realização, Manutenção e Reforço das Infraestruturas Urbanísticas) e Compensações Urbanísticas, o que no caso de Lisboa poderá, no conjunto, ultrapassar os 130 euros por m2 calculados sobre a área total de construção.
Ora, tendo em consideração estes “factos” – leia-se, impostos e taxas – constata-se facilmente a incongruência quando se afirma que a habitação é uma prioridade e até um direito fundamental nos termos da Constituição da República, mas é justamente o segmento mais afetado pela elevadíssima fiscalidade. Neste contexto e a título de exemplo, veja-se a nossa vizinha Espanha em que a fiscalidade do sector é consideravelmente inferior, destacando-se a dedutibilidade do IVA da primeira habitação e uma isenção de IMT, inexistindo ainda o AIMI… em Portugal, também a aquisição da habituação própria e permanente beneficia de uma isenção de IMT, limitada a imóveis até € 92.407 – o que se revela totalmente desatualizado face à evolução do valor médio do metro quadrado nos grandes centros urbanos.
Outro ponto que nos parece pertinente sublinhar e relacionado com o licenciamento, deve-se à inexistência de um mecanismo processual único em todas as Câmaras Municipais, tornando a gestão do processo mais moroso, oneroso e complexo. De facto, acaba por ser incompreensível como, em pleno século XXI, a enorme burocracia, o deficitário investimento e a escassa integração digital atrasam os processos de licenciamento e afetam múltiplas entidades. Neste sentido, o Estado Central demora mais tempo a cobrar o IVA, o IRC (resultante do lucro de uma operação imobiliária) e o Imposto de Selo, enquanto as autarquias, para além das taxas que cobram, recebem mais tarde o IMT resultante da venda das frações construídas. Já os projetistas, arquitetos e engenheiros cobram os seus serviços em função das fases do projeto, terminando os contratos com a conclusão da obra. Ou seja, atualmente, entre a assinatura do contrato de prestação de serviços e a sua conclusão, podem decorrer mais de cinco anos (!) pondo em risco a solvência de muitos e, novamente, pelo deferimento da receita, atrasa a cobrança, pelo Estado, dos impostos (IVA, IRC, etc.).
A elevada fiscalidade associada à morosidade do licenciamento, considerando a dimensão e o peso na economia nacional, é certamente um entrave ao investimento, ao nosso crescimento e geração de riqueza, sendo certo que será porventura os dois elementos que mais contribuem para o aumento do preço da habitação. Naturalmente, e como o leitor certamente compreenderá, a incerteza do licenciamento e elevada fiscalidade também acarretam problemas a outros, nomeadamente, os bancos financiadores. Lamentavelmente, não é atípico, em Portugal, planos de pormenor demorarem quase 20 anos a ser aprovados e assim gerando inúmeras falências e incumprimentos com os bancos que a todos nos afetam.
Tendo por base estas premissas e muitas outras que não foram possíveis partilhar, conclui-se fácil e rapidamente que a oferta de habitação acessível à classe média passa pela análise e criação de soluções estruturais, transversais e com real impacto. O Estado tão pouco deve e tem recursos para, usando fundos que a todos nos pertencem, desenvolver projetos de habitação com perdas significativas, sabendo todos nós o quão difícil é o Estado ser um bom gestor neste tipo de micro-projetos.