Eles recolhem o lixo, cozem o pão, entregam as cartas e as encomendas, cozinham as refeições, distribuem e vendem a carne, o peixe e os legumes, zelam pela segurança, limpam serviços e instalações, conduzem ambulâncias, reparam as condutas de água e esgoto, asseguram a energia elétrica, o gás e tantas outras coisas.
Eles estão nos hospitais, nos centros de saúde, nas ambulâncias, nos autocarros, nos talhos e mercearias, nos mercados, nas papelarias, nas fábricas, nas cozinhas, nas centrais telefónicas, nos táxis, nas esquadras, nos atendimentos, nas bombas de combustíveis, nos correios, nas oficinas e em tantos outros lugares.
Eles são operários, doutores, engenheiros, administrativos, professores, cantoneiros, jornalistas, cozinheiros, telefonistas, informáticos, enfermeiros, psicólogos, motoristas, mecânicos, carteiros, pedreiros, canalizadores, assistentes sociais, e outras coisas mais.
Durante toda a pandemia foi com eles que contámos, não só para acudir aos doentes e combater a propagação da doença, mas para garantir tudo o que é fundamental no funcionamento da sociedade. De repente, os mais distraídos perceberam que, sem o cumprimento de algumas funções, algumas reputadas de menor importância, o nosso modo de vida não seria possível.
Muito se falou, neste último ano, de serviços essenciais, da linha da frente. Serviços que são assegurados por trabalhadores imprescindíveis. Eles são, de facto, essenciais.
Não faltaram encómios e vibrantes saudações, palmas à janela, visitas de altas figuras do Estado, reportagens tributo de jornalistas comovidos, vídeos elogiosos nas redes sociais. Tudo certo. Tudo justo.
Mas receio que, daqui a seis meses, quando a pandemia desaparecer (espera-se) e não ocupar já as notícias e as atenções da opinião pública e publicada, toda esta atenção se tenha traduzido em muito pouco para estes trabalhadores. Os até agora essenciais voltarão a ser, em muitos casos, invisíveis.
Médicos e enfermeiros, polícias e guardas, professores e auxiliares, cantoneiros de limpeza e piquetes de águas, e outros trabalhadores públicos, continuarão a ter falta de colegas a seu lado para fazer tudo o que é preciso e a não ver as suas carreiras e remunerações respeitadas e valorizadas.
E, no setor privado, muitos continuarão a ser precários, a ser despedidos na primeira curva do caminho, a suportar horários desumanos e a empobrecer, trabalhando em empresas que, por vezes, geram milhões de euros de lucro para os seus acionistas, sendo que, em muitos casos, recebem vastos apoios do Estado e pagam poucos impostos.
Para quem ainda não tivesse percebido, esta pandemia veio demonstrar que é o trabalho e são os trabalhadores que fazem funcionar e avançar a sociedade. São eles que criam riqueza, constroem o progresso, garantem tudo aquilo de que precisamos. São o motor fundamental da nossa vida coletiva.
Por isso, é necessário que a sociedade se organize em função dessa centralidade que é o trabalho e assegure aos trabalhadores condições efetivas de dignidade. É preciso que, além de merecidos elogios, tenham legislação laboral que os defenda, políticas salariais que os valorizem e as decisões certas de recrutamento e contratação. É preciso que a absolutização da redução do défice não se sobreponha a todas as políticas públicas, que a massa salarial não seja o instrumento (quase sempre único) de gestão empresarial, que o trabalhador não seja material descartável para usar e deitar fora. É preciso que a lei e a prática defendam os direitos dos trabalhadores, porque é isso que garante uma sociedade mais justa.
É que estes trabalhadores, como todos, quando passar a pandemia, continuarão a ser o mesmo: essenciais!
Eles e os seus direitos não podem voltar a ser invisíveis.
Que ninguém se esqueça disso!
(Opinião publicada na VISÃO 1472 de 20 de maio)